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Foto do escritorSara & Felipa Educa_são

Emoções sem Idade: Entender e Respeitar os Sentimentos das Crianças

Atualizado: 16 de jan.

-Meninas de três anos não choram!





Não sei o que vos fez sentir ou pensar esta frase, mas se vos fez clicar no link para saber do que se tratava, é porque, tal como a nós, esta frase provocou algo em vós.


A nós, provocou-nos inicialmente espanto e choque, porque esta frase foi proferida por uma menina de três anos! E a expressão de zanga que a acompanhou despertou um sentimento de profunda tristeza e, ao mesmo tempo, de revolta.

A situação em que ocorreu este desabafo, que foi do que na realidade se tratou, não teve nada a ver com algo que se passou com a criança que o proferiu, mas com um colega de creche que tinha caído no jardim e começou a chorar, enquanto a ajudavam a abotoar o casaco para ela também ir para o jardim.



Nesse momento, sentimos que não sabíamos bem quem precisava mais de ajuda, se a criança que chorava, se a que dizia de uma forma bastante agressiva que ela tinha três anos e que, por isso, era esperado dela que não chorasse. Sim, porque era isso que ela nos estava a perguntar. E sim, era uma pergunta e não uma afirmação, apesar de ela reproduzir, com os dotes de atriz profissional que a criança tem, aquilo que lhe tinha sido dito, numa qualquer situação, direta ou indiretamente. Percebemos, no momento, que ela queria apenas saber se nós validávamos aquela afirmação ou não.


Por sorte, a minha colega já ia ao encontro da criança que chorava, e eu pude atender aquela que não podia chorar. Disse-lhe calmamente que as meninas de três anos choram, e os meninos, e as de 4, 5, 6, 13, 30, ou mais. Que todos choramos, bebés, crianças, adultos, quando estamos tristes, zangados, nos magoamos, irritados, e em várias outras situações. E ela continuou a repetir-me, com a mesma expressão zangada, que não, que as meninas de três anos não choravam. Perguntei-lhe se ela agora então não ia mais chorar, e ela disse-me com um ar muito resolvido que não chorava, ao que respondi que tinha muitas vezes três anos e que chorava quando precisava. Ela olhou para mim confusa (natural!), virou costas e saiu para o jardim. E eu fiquei a vê-la ir, com um peso no coração. Entretanto, tive de me ausentar e, quando regressei, a minha colega comentou comigo que a criança que já tinha três anos e não chorava, tinha caído aparatosamente na minha ausência e não tinha vertido uma lágrima, nem dito nada, levantou-se e seguiu como se nada fosse com ela. E ficamos as duas a chorar interiormente, por ela, e pelo adulto significativo que lhe passara essa informação. Pois acreditem que esta só pode ter vindo de alguém que ela ama; de outra forma, não teria imediatamente levado a mensagem à letra e se apressado a ajustar o seu comportamento àquilo que lhe era exigido.


Porque as crianças, como bem sabemos, só seguem a quem estão fortemente vinculadas. São essas que têm o maior poder para as influenciar para o bem e para o mal.


Mais tarde, quando todos dormiam a sesta, voltámos a esta situação, que não nos saía da cabeça. Por que é que nós adultos temos esta necessidade de controlar as emoções das crianças? Por que lhes passamos a mensagem de que certas emoções são boas e outras más?


Por que temos tanto medo e dificuldade em lidar com estas?

Sim, porque não pode haver outra razão senão o medo. Como bem sabemos, só agimos por medo ou por amor, e todas as nossas ações provêm de um destes polos. E, neste caso, não é por amor de certeza que tentamos impedir o outro de mostrar as suas emoções. Será por medo de o ver sofrer? Ou medo de não saber lidar com as nossas próprias emoções, provocadas pelas do outro? Ou medo de sermos julgados pela forma como reagimos ou não às emoções que nos são demonstradas?




Fala-se hoje em dia, à boca cheia, sobre a importância da educação emocional. Nunca se ouviu falar tanto deste tema. Por todo o lado são partilhados cursos, livros de histórias sobre emoções, fichas com carinhas a tentar representar as mesmas, e filmes de grandes produções americanas que todos elogiam e correm a ver. No entanto, esquecemo-nos do básico. Não percebemos ainda que só podemos ensinar sobre emoções vivendo-as, sentindo-as, aprendendo a expressá-las e a identificá-las. E, muito possivelmente, por isso mesmo temos uma sociedade no banco dos psiquiatras, psicoterapeutas e outros terapeutas vários. Porque adoramos falar de emoções, mas não nos permitimos ou evitamos na realidade presenciá-las, vivê-las e partilhá-las. Ou melhor, até permitimos, mas só as boas. Mas, mesmo assim, depende de quão entusiastas estas são.


Sentimos que, apesar de se apregoar por todo o lado o contrário, continuamos a praticar o lema de que "as crianças são para ser vistas e não ouvidas". Sem perceber o impacto que isto tem para toda a humanidade futura.


Na verdade, como é que uma frase, com origem no clero, em Inglaterra, durante o século 15, e que se aplicava apenas a – suspiro! – às meninas, das quais se pensava que não tinham nada a dizer que valesse a pena ser escutado, e que gradualmente foi expandida para incluir também meninos (pelo qual não sabemos se nos deveríamos sentir justiçadas ou mais indignadas ainda?!), permanece até aos dias de hoje?


Por outras palavras, partia-se do princípio de que as crianças deveriam saber qual o seu lugar. Mas para saber qual o nosso lugar, não teremos de viver, expressarmo-nos, experimentar, saber o que sentimos, para saber quem somos? No entanto, o que sempre nos foi ensinado era o que era ou não esperado de nós, e daí criámos a nossa imagem própria. E assim temos gerações e gerações de crianças exemplares e de outras que, por não seguirem as regras, foram consideradas maus exemplos! Muito cedo aprendemos a catalogar seres humanos pela sua capacidade de invisibilidade e neutralidade, como bons, e aqueles que não eram capazes de se acomodar e reproduzir apenas aquilo que lhes era endoutrinado, como maus. E ninguém quer estar do lado dos maus. Ou quer?


E assim surgiu uma convenção que ficou entranhada e sempre apelidada de ser-se civilizado/a. Mas que levou, na verdade, a que praticamente ninguém das gerações daqueles que somos hoje pais tenha questionado muito sobre o assunto antes de nos tornarmos nós mesmos pais. Na verdade, apesar do século XV estar lá longe, sejamos babyboomers, geração X ou millenials, tendemos a repetir este mesmo conceito, ainda hoje. Uma grande maioria parece ter perdido a coragem (sim, é disso que falamos, certo?) de permitir a experiência do sentir as emoções, de as processar, contextualizar e aprender com elas. E com isto, muitas crianças até hoje, apesar de todo o movimento oposto de projetos escolares, livros, cursos, filmes e restante parafernália, continuam a perder a oportunidade de aprender a sentir. E perpetuam-se os desabafos, por não conseguirmos lidar com as emoções das nossas crianças que dizem: "As meninas de três anos não choram!" Não fazem birras! Não empurram os amigos! etc., etc., etc...


E será que alguma vez perguntamos para onde vão os sentimentos das crianças de três anos, e de todas as outras idades, quando as suas emoções são julgadas, criticadas e impedidas de se expressar?


Como nos diz Maggie Dent: "Se tu superprotegeres as crianças destes momentos (de tristeza, frustração, raiva, medo, etc.), elas não aprenderão a flutuabilidade emocional ou o fato de que este é um sentimento que passa. Elas apenas aprendem que o sentimento é errado."


Em "O Cérebro da Criança" (1), os autores do livro exploram como a arquitetura cerebral da criança depende daqueles que passam mais tempo com ela. E que a boa notícia é que colapsos, frustrações e lutas emocionais (tudo o que normalmente é denominado de birras) são normais porque a criança precisa ter experiência para formar a sua aprendizagem sobre como lidar e gerir as emoções, pois não nascem com estas conexões feitas! Ou seja, as crianças pequenas não são más ou mal-educadas, elas apenas estão a lidar com um mundo com um cérebro imaturo. E o nosso trabalho é orientá-las e ensiná-las a lidar com momentos que as desafiam.


E é importante lembrar que não importa o quão sem sentido e frustrante os sentimentos da criança possam parecer para nós, eles são reais e importantes para ela. Quando uma criança fica muito angustiada, muitas vezes não consegue alcançar o seu cérebro esquerdo lógico (se queres saber mais sobre o cérebro, lê aqui) e exibe emoções através de gestos e formas não verbais como chorar, gritar e atirar com coisas. Ela está a tentar comunicar através do seu comportamento, outra característica normal da infância! Quando uma criança está transtornada, a lógica geralmente não funciona até que respondamos às necessidades emocionais do cérebro direito.


O ideal é utilizar o "método de redirecionamento". Ou seja, como adultos, o nosso trabalho é evitar reagir a esta comunicação não verbal e infantil, conectando-nos com a criança onde ela está. Isto significa que reconhecemos e validamos os seus grandes sentimentos enquanto a acalmamos com uma voz suave e um toque seguro. Quando ela está já mais calma, podemos redirecionar a sua experiência. De certa forma, as crianças podem oscilar entre uma inundação emocional (cérebro direito) ou um deserto emocional (cérebro esquerdo). A mensagem principal é que negar emoções ou suprimi-las pode confundir a criança.


Portanto, os nossos momentos mais importantes para ensinar a criança são os momentos mais difíceis, onde podemos ajudá-la a construir ligações no seu cérebro. Sem a nossa ajuda, ela simplesmente continuará a reagir com o lado direito do cérebro e nunca desenvolverá a capacidade de acessar o lado esquerdo do cérebro para entender a sua experiência.


Outra grande técnica explorada pelos autores é chamada de "Nomear para enquadrar". Os adultos podem usar esta ferramenta quando uma criança experiencia momentos dolorosos, decepcionantes ou assustadores que podem ser esmagadores com ondas esmagadoras de sensações corporais que inundam o cérebro direito. Quando isso acontece, nós, como pais, educadores, adultos, podemos ajudar a trazer o hemisfério esquerdo para a cena para que a criança possa começar a entender o que está a acontecer. Uma das melhores maneiras de promover esse tipo de integração é ajudar a criança a recontar a história da sua experiência assustadora ou dolorosa. Esta técnica permite que as crianças explorem os seus sentimentos enquanto processam a história por meio das suas próprias palavras, e um adulto pode ajudar a construir o todo da história ao explicar as partes que elas não conseguem expressar, assim ajudamos realmente a integrar o que aconteceu.


Esta abordagem para nós faz todo o sentido. Basta apenas reservar um momento, quando as coisas acalmarem (observar, e não agir no calor do momento), para ajudar a criança a explorar as emoções irracionais e as sensações corporais, isto ajuda a aprender a superar estes momentos difíceis. Ao ajudá-la a explorar a história das suas emoções – repetidamente –, podemos permitir que o lado esquerdo do seu cérebro dê sentido à experiência. Reconhecer os sentimentos, como dissemos, é sempre o mais correto quando a criança se expressa efusivamente, mas sabemos que muitas vezes não somos capazes de o fazer. Muitos pais dizem que estamos a pedir muito deles quando sugerimos isso, porque reconhecer sentimentos que nos parecem totalmente irracionais no momento exige uma prática que muitos de nós não têm. Como, por exemplo, quando uma criança começa a chorar porque partimos a bolacha ao meio, e ela queria inteira, ou porque a massa e o molho estão misturados, ou outras situações semelhantes que todos reconhecemos. Não conseguirmos perceber por que as crianças têm as reações que têm, especialmente quando acompanham essas reações com comportamentos difíceis para nós, como atacar, bater, gritar, é totalmente natural. Afinal, somos humanos e quase de certeza que quando tivemos este tipo de colapso emocional quando éramos crianças, não tivemos um adulto que nos ajudasse a vivenciar a situação, e, como tal, são ferramentas que não temos. Mas basta estar lá, reproduzir o que estamos a ver e deixar a onda de sentimentos passar, sem que a nossa onda nos afogue nos nossos. Se para isso, por vezes, tivermos de pedir ajuda, nos afastar, respirar fundo três, dez, vinte vezes, façamo-lo. Acredite que, no final, esta é uma prática que tornará a vossa vida em comum muito mais fácil e harmoniosa.


E esta é a verdade. Reconhecer o que a criança sente sobre algo ou que está chateada/frustrada com determinada coisa muitas vezes basta. E fazemo-lo não porque somos bons pais/educadores ao fazê-lo, ou porque somos maus se não o fizermos, mas porque temos um ser humano à nossa frente que precisa de nós para também um dia poder ajudar outros seres humanos pequeninos a fazê-lo. E assim nunca mais teremos meninas de três anos que não choram, mas meninos e meninas de três, trinta ou oitenta anos que sabem o que sentem, por que sentem e que as emoções, se as deixarmos vir, acabarão sempre por passar.


Bibliografia:


(1) "O Cérebro da Criança - 12 Estratégias revolucionárias para treinar o cérebro em desenvolvimento do seu filho", de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson, Casa das Letras.



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