O teu filho vai iniciar em breve a creche ou jardim de infância? Ou então começou esta semana e dás contigo a perguntar-te: "Será que algum dia se vai conseguir separar de mim?", "Ficará tranquilo com a/o educador/a?", "Serei eu capaz de o deixar ficar?"
Estas são perguntas que podemos e devemos definitivamente perguntar-nos e colocar também aos educadores antes do primeiro dia. Porque uma cooperação estreita e confiante entre pais e educadores é um dos pré-requisitos mais importantes para uma adaptação bem-sucedida como já tantas vezes frisámos.
No entanto, nas creches e jardins de infância por todo o país assiste-se ainda a cenas comoventes a acontecerem todos os dias: crianças a chorar e a gritar com os seus corações. Mães e pais com o coração partido por deixar os seus pequeninos num lugar novo com pessoas que para elas são perfeitos estranhos. Com mil dúvidas a assaltar-lhes o coração porque sentem no seu íntimo que não deve ser assim.
"Será uma despedida rápida realmente da melhor maneira? Será verdade que a criança chora mas passa rápido? Ela só está assim porque o adulto está ansioso, não confia, etc.?"
Infelizmente esta é a realidade ainda da maioria das instituições para a infância portuguesa. Pois, se muitas sempre defenderam esta política, outras aproveitaram as directrizes dadas durante a pandemia para transformar sugestões em regras que vieram para ficar, independentemente de toda a informação disponível em como estes procedimentos não têm em conta o são desenvolvimento da criança. Inclusive, até contra, as orientações curriculares quer da creche quer do pré-escolar.
Muitos pais dizem que ao pedirem para serem escutados para juntos encontrarem outras alternativas, esbarram com entraves por falta de conhecimento associado muitas vezes à falta de vontade. Outros encontram adultos abertos à mudança mas que não sabem como alterar padrões que já foram enraizados.
Como tal sentimos que seria bom partilhar convosco uma alternativa que foi apresentada e discutida, num dos painéis do Congresso A Dignidade da Criança, que decorreu no Goetheanum em Junho deste ano, painel este dedicado ao acolhimento escolar que os alemães designam como aclimatação escolar.
Na Alemanha foram instituídos modelos governamentais para garantir que todas as crianças sejam respeitadas no seu ingresso ao mundo de cuidados externos à família. O modelo de Berlim é um dos modelos de adaptação/integração escolar mais antigos, mas também mais testados e comprovados.
Existem dois protocolos mais referenciados na Alemanha, o de Berlim e o de Munich, regiões norte e sul da Alemanha, que têm poucas diferenças entre si. Aqui vamos resumir o que foi partilhado com a esperança que sirva de inspiração a pais, instituições e empresas para todos juntos apoiarmos as nossas crianças.
Modelo de Berlim explicado brevemente
O modelo de aclimatação de Berlim é um guia para uma aclimatação suave e passo a passo à creche. Foi desenvolvido na década de 1980 no Instituto INFANS de Pesquisa em Socialização Aplicada à Primeira Infância de Berlim por Hans-Joachim Laewen, Beate Andres e Éva Hédervari-Heller. Como parte de um projeto de pesquisa, os educadores descobriram que as crianças que tiveram que se adaptar sem o apoio dos pais ficavam sete vezes mais doentes nos primeiros meses, tinham mais medos e beneficiaram menos da creche .
Então como é uma aclimatação orientada para as necessidades de acordo com o modelo de Berlim?
O objetivo do modelo de Berlim é responder individualmente às necessidades, situação e condições da criança e, assim, tomar decisões apropriadas sobre "quando" ou "como". O resultado é uma adaptação muito cuidadosa e gradual das crianças aos educadores e ao ambiente desconhecido.
Aplicado especificamente às situações de creche e jardim de infância, significa que a adaptação é dividida em diferentes fases – geralmente três a quatro, que variam em duração e podem ser estendidas dependendo das necessidades da criança.
O modelo de aclimatação de Berlim geralmente prevê uma a três semanas para uma criança se integrar. Mas é sempre a criança que marca o ritmo: “O período de adaptação deve ser ajustado individualmente, mas nunca inferior a três dias. (...) Dependendo do temperamento, das experiências anteriores de apego e do comportamento individual da criança, cada uma leva um tempo diferente para se acostumar." Katja Braukhane e Janina Knobeloch educadoras num folheto especializado para educadores. (1)
1ª fase: Informação aos pais
A primeira parte da aclimatação é destinada aos pais. Estes serão informados pela equipe especializada da creche ou jardim de infância sobre o processo de aclimatação - numa conversa, mas também por escrito. Mas os educadores também precisam de informação. É feita uma reunião prévia onde os pais respondem às questões dos educadores sobre a sua criança, hábitos, temperamento, biografia em geral.
Fase básica: a confiança é criada
Na fase inicial, um dos pais acompanha a criança até a instalação e fica na sala do grupo por uma a duas horas. Enquanto o seu filho faz o contato inicial com as outras crianças, o progenitor fica em segundo plano – mas deixa a criança saber que está sempre lá e a apoiará. Os cuidadores/educadores tentam estabelecer o contato inicial com a criança envolvendo-a em trabalhos manuais e brincadeiras. Durante esta fase, o progenitor não se deve envolver com outras crianças, como brincar com elas. Em vez disso, ele deve concentrar-se totalmente na criança para que ela sinta sempre que tem toda a sua atenção. Esta fase do modelo berlinense costuma durar três dias.
A primeira tentativa de separação
No quarto dia, o progenitor passa mais para segundo plano: é feita a primeira tentativa de separação para se tentar calcular quanto tempo ainda é necessário para a restante aclimatação. Para isso, o adulto despede-se da criança e vai para outra sala por cerca de meia hora. Como a criança reagir a essa primeira separação é crucial para o resto do processo. Se ela não reagir à separação e continuar a brincar ou se acalmar rapidamente após um breve choro, a fase de aclimatação pode ser limitada a cerca de uma semana. Para isso, o período de separação é gradualmente aumentado até que finalmente o progenitor consiga trazer a criança até à instituição e se despedir rapidamente.
No entanto, se a criança reagir de forma muito violenta à primeira tentativa de separação, o progenitor será trazido de volta imediatamente e será solicitada uma fase de aclimatação mais longa de duas a três semanas.
Fase de estabilização: a criança está confortável com a situação
A fase de estabilização começa no quinto dia. O adulto agora é mais um observador silencioso e deixa o cuidado para os educadores e só intervém quando a criança pede explicitamente por ele. Os educadores agora assumem o cuidado da criança e oferecem-se como parceiros de brincadeira. Os tempos de separação e a presença da criança nas instalações serão gradualmente alargados. No sexto dia, a criança geralmente pode ficar no jardim de infância por várias horas desacompanhada.
Se a criança ainda não aceitar a separação, o progenitor deve esperar até a próxima semana antes de tentar se separar novamente e a fase básica deve ser estendida até lá.
A fase final
Nesta altura, a criança já deve ter feito contato inicial com os educadores e aceitá-los como cuidadores. A criança pode protestar quando os progenitores saem, mas ela deve ser facilmente tranquilizada pelos educadores. Os pais não ficam mais na instituição - mas podem ser contatados a qualquer momento, se a situação exigir.
Notas sobre aclimatação usando o modelo de Berlim
➤ Todos os cuidados e atividades de rotina devem ser realizados pelo menos uma vez durante a aclimatação pelo cuidador.
➤ A integração funciona melhor se não houver atividades ou rotinas que se distanciam da vida quotidiana normal (por exemplo, Carnaval ou Natal) durante esse período.
➤ Muitas crianças são confortadas pelo chamado objeto de transição que as acalma quando estão stressadas (por exemplo, um brinquedo de peluche, uma fralda ou manta).
Conclusão: o modelo de Berlim é bom para a criança!
Não seria óptimo que todas as instituições para a criança adotassem um modelo assim? Conta-nos como está a ser ou foi a vossa experiência.
Alguns lembretes a seguir para apoiar a familiarização à creche ou jardim de infância:
Planeia tempo suficiente para a aclimatação (pelo menos três semanas).
Confia na equipe de suporte e na sua experiência.
Ir para a aclimatação com uma atitude positiva - isso será transferido à criança, assim como os sentimentos mais céticos.
Confia na criança também. Ela será o teu barómetro do sucesso do processo.
Diz sempre adeus à criança. Tentar manter o adeus breve.
Durante o tempo em grupo, concentra-te no teu filho.
Sente-te à vontade para deixar as tuas lágrimas fluírem também! ( é normal os pais também precisarem de colo)
Não planeies nenhum compromisso importante imediatamente após a ida à creche/jardim de infância durante o período de adaptação. Não planeies também muitas atividades de tempos livres nesta fase. Uma boa sesta à tarde e a vida familiar quotidiana normal dão à criança estabilidade para lidar com as situações novas e desconhecidas.
Se ainda estás a amamentar sente-te confortável com isso, fica à vontade para continuar com o vosso ritual. O mesmo se aplica ao dar a biberão e ao ritual da hora de dormir à noite.
Se, após vários dias/semanas, tiveres a sensação de que a aclimatação não está a ser realizada da melhor forma procura ter uma conversa com o educador de referência.
Não fiques inquieta/o se a criança de repente "der um passo para trás" depois do período inicial e voltar a achar difícil se separar. Isso é normal porque a criança precisa de tempo para entender que a creche ou jardim de infância agora faz parte do seu dia a dia.
Bibliografia:
Comments