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- Vamos falar de: Crianças Orquídea. - Entrevista com Dr. Tracy Cassels Phd

Atualizado: 28 de set. de 2021


Entevista com a Dr. Tracy Cassels Phd


As Crianças Orquideas



S: Olá a todos, estamos aqui hoje com a Dra. Tracy para a nossa primeira entrevista online. A Dra. Tracy Cassels tem um BA em Ciência Cognitiva, um MA em Psicologia Clinica e um PhD em Psicologia do Desenvolvimento, tal como vários trabalhos publicados, além de servir em organizações não lucrativas e ser mãe. Não sei como o consegues fazer tudo! Além do mais é a fundadora do website ”Evolutionary Parenting” onde faz um trabalho extraordinário que toda a gente ligada à educação ou que seja pai devera seguir. Colocarei os links no final para seguirem o seu trabalho.


Desde ja agradeço tua disponibilidade para nos dar esta entrevista e confiar em mim para fazer a tradução para aqueles que não dominam tão bem a língua inglesa.


T: Muito obrigada por me convidares, é uma experiência emocionante principalmente porque não falo português... O facto de tu ires tratar disso por mim, é muito emocionante!


S: Obrigada por confiares em mim, eu vou traduzir esta entrevista para todos aqueles que não são fluentes em inglês. A maioria dos portugueses tem uma boa fluência de inglês mas por vezes os termos mais técnicos tornam-se complicados. Obrigada por confiares em mim, e podes sempre colocar no google para ver se fiz um bom trabalho! Poderíamos falar sobre qualquer assunto relacionado com a parentalidade, pois és uma pessoa perita em várias áreas mas, estamos aqui hoje para falarmos sobre um tema que é muito importante para mim, pois é completamente desconhecido. Fiquei totalmente surpreendida quando te conheci no Summit online do Raised Good e ouvi pela primeira vez o termo crianças orquídea e crianças dente-de-leão. Gostava muito que conseguisses explicar, pois não é fácil, mas tu és uma perita e sei que o irás fazer maravilhosamente.


O que são crianças orquídea e crianças dente-de-leão? Tu começaste a falar sobre o tema em 2011, se não estou em erro.


T: Não. A investigação começa muito antes … mas vamos começar por explicar o que são crianças orquídea.

As orquídeas são um grupo de seres humanos que têm um fenótipo especial. Significa que têm diferentes comportamentos e apresentam-se de uma forma diferente das outras pessoas. O mais notável é que elas são muito mais influenciadas pelo seu ambiente do que as outras pessoas. Quando apareceram com o termo orquídeas, porque tal como a flor orquídea, do qual eu não sabia nada porque mato todas as plantas que me vêm parar à mão, elas precisam de um ambiente muito específico para sobreviver. Se não tiverem esse ambiente não sobreviverão. Tal como uma flor orquídea, as crianças e os adultos orquídea, se tiverem o ambiente certo elas tendem a sobreviver melhor do que a comum das pessoas numa série de áreas. Quando não têm o ambiente certo, tendem a dar-se pior, ter muito piores resultados.


E nós como pais , das coisas mais difíceis em relação a isto, é que não estamos a falar dos piores ambientes, não estamos a falar de negligência ou abuso, o que seria terrivelmente prejudicial a uma criança orquídea ou para qualquer outra criança. Estamos a falar de coisas que simplesmente não são perfeitas. Tal como a flôr orquídea se a afastarem dois metros do sol ela já não se dá bem. Isto acontece com as crianças orquídea e é difícil para as famílias. E há varias razões por detrás disso. O termo orquídeas foi desenvolvido pelo Dr. Thomas Boyce, que o investiga há décadas, estamos a falar de 30 ou 40 anos. Mas o termo em si surgiu nos inícios dos anos 2000. Depois de ter começado a investigar estes padrões, e foi aí que ele descobriu que estas crianças têm duas trajetórias dependendo do ambiente que as envolva e, em contraste como os dentes-de-leão, que tal como a flôr a não ser que seja em situações extremas sobrevivem. Por exemplo não vês dentes-de-leão a nascer nas tundras, mas eles crescem nos mais variados ambientes. E tem sido muito interessante, pois na investigação que desenvolveram descobriram que os dentes-de-leão são ainda menos afectados por um vínculo inseguro em comparação com outras crianças (do que pensaríamos).

Sendo o vínculo tão fundamental os dentes-de-leão não demonstram uma reacção tão forte quando pensamos que o vínculo é algo essencial. Os dentes-de-leão não são afectados por isso enquanto as orquídeas são profundamente afectadas. Portanto, estamos a investigar como é que as diferentes crianças reagem ao ambiente que as envolve. Pelo lado biológico o que eles avaliaram e investigaram é que parece estar ligado ao Sistema de Resposta ao Stress. Portanto, as crianças que são orquídeas têm uma reacção muito forte ao stress. Quando pensamos em crianças “normais”, o seu stress ( das orquídeas) vai até a um nível muito mais elevado. E geralmente, é sempre muito mais elevado, por motivos variados. E uma das hipóteses de porque é que o ambiente é tão importante é que quando estamos sobre stress, quer sejam orquídeas ou dentes-de-leão quando experienciamos o stress estamos a revelar que estamos muito mais afectados pelo ambiente que nos rodeia. Se até um dente-de-leão fica stressado consoante o ambiente em que se encontra, e isto terá um impacto mais positivo ou negativo durante o período de stress. As orquídeas passar tanto tempo em stress que o ambiente torna-se crucial para o seu bem estar. Vou falar sobre alguma das Investigações sobre esta resposta ao stress, pois são muito interessantes. Mas o que importa saber de base é que ser orquídea é um fenómeno biológico não é algo inventado, as pessoas ouvem falar disto e acham que é algo inventado. Mas não, é algo profundamente organizado na ciência biológica, há genótipos associados a elas, há determinados genes ou variantes de genes que estão associados a elas em comparação com as outras. Foram identificados em diferentes espécies, não é só uma característica humana. Quando olhas para a constituição de uma pessoa extremamente sensível esta parece semelhante, mas no entanto é ligeiramente diferente quando se olha para os números, e tudo mais. Parece existirem até 200 espécies onde o genoma foi identificado. Estamos a olhar para algo que tem uma razão evolutiva por detrás. Existe algo que nos ajuda a perpetuar no sentido da evolução. É a evolução no seu melhor, para diferentes ambientes precisamos de diferentes características. E esta parece ser uma característica forte (o ser orquídea). Há imensa coisa em redor deste tema mas o importante é saber que é real.


É muito difícil para os pais, uma vez que a nossa cultura não está adequada para um fenótipo orquídea. Nós somos uma sociedade de dentes-de-leão, nós somos uma sociedade que gosta de crianças resilientes, robustos, independentes e de “para a frente é que é o caminho”… e essas características não correspondem a uma orquídea. Espero que isto responda ao o que é uma orquídea.

E como disse, a investigação começou há décadas atrás e é fascinante. Há uma TedTalk com o Dr. Boyce que explica porque é que ele começou a investigar este assunto, foi devido à sua irmã, ela foi quem o levou a esta investigação, e que eu recomendo que toda a gente assista. Mas é de partir o coração saber que alguém que veio de uma casa feliz para todos os efeitos isso não foi o suficiente, e é deste tipo de diferenças que estamos a falar. Para a sua irmã não era o ambiente que ela precisava. Apesar de não estamos a falar em abuso, negligência ou algo semelhante. E é aqui que se torna muito difícil e sensível para os pais. É muita pressão, sentes que tens que ser perfeitoe isso é algo que eu sou totalmente contra, pois não é verdade, tu não tens que ser perfeito, na realidade. E poderemos falar nisso mais à frente.


S: Eu penso que seja muito importante que os pais saibam isso. Saber aquilo que podem esperar, como devem reagir de forma a não se sentirem culpados por não fazerem o melhor, e sei que vais explicar isso lindamente.

Uma questão que eu e a Felipa queremos colocar. A Felipa não está aqui pois está em Portugal e têm duas miúdas pequenas para tomar conta e são horas de jantar, mas adoraria aqui estar. Algo que não me ficou muito claro, quando o lemos, porque dizes que o ambiente é a principal causa, mas serão os pais quem desencadeia o ambiente familiar?


T: esse era o caso, antigamente costumavam dizer que os pais tinha “criado” a sua orquídea. Mas é um pouco mais complicado do que isso como em tudo. Estes seres têm esta susceptibilidade genética, a especificidade destes genes variáveis sugere que tu nasces geneticamente susceptível. E parece que está no sangue da família. Portanto vemos que há uma componente genética. Mas parece que ,na maioria dos casos, as pessoas são tão geneticamente susceptíveis que surgiria de qualquer forma. Pode ser que sejas geneticamente susceptível e, de repente algo acontece no ambiente, que leva à expressão dessa variante no gene, isso pode acontecer também.

Pode ser ainda no útero, pode ser um acontecimento in utero que o desencadeia. Pode ser qualquer acontecimento stressante que tenha acontecido durante o parto ou logo a seguir. Também pode ser (a causa), segundo aquilo que aprendemos, e que eu gosto de lembrar aos pais, que eles na realidade providenciaram um ambiente muito positivo a seguir ao parto. Uma das descobertas interessantes, quando olhamos para estas crianças, é que estas são encontradas tanto nestes ambientes extremamente positivos e acolhedores, como nos ambientes mais stressantes, e nem sequer quer dizer negligentes, pode ser simplesmente níveis sociais económicos mais baixos, que como sabemos impactam muitos comportamentos stressantes.


S: Por exemplo, um período stressante a vida dos pais…


T: Exactamente. E pode ser que seja desencadeado por esta positividade, a criança susceptível nasce neste tipo de ambiente e diz: “- Eu tenho o ambiente perfeito para ser orquídea. Óptimo eu vou deixar as minhas características brilhar!”, - porque associados a efeitos positivos, a longo prazo, este ambiente permite-o acontecer. Há na realidade uma série de formas em como pode acontecer, e uma variedade delas.

Quando algumas crianças nascem e não sabemos de qualquer tipo de stress anterior à gravidez, eles podem ter simplesmente uma genética muito forte, há uma grande variedade. Quando falamos dessa característica genética há pelo menos 4 variantes que foram identificadas e em cada variante quanto mais esta aparece mais orquídea é o resultado final, é o que se parece constatar.

Por exemplo, se falarmos do CmR... não me consigo lembrar agora. Esse é associado à nossa resposta ao stress, o corticol, o nosso receptor de cortisol e as pessoas podem ter uma variante deste. As variantes não aparecem só uma vez e podem ser repetidas ao longo da sequência, estes alelos podem ser repetidos, as crianças que têm uma apresentam alguns sinais de orquidismo, quando olhamos em trajectórias a longo prazo. Mas se tiverem 4 variantes isso terá um efeito muito mais forte. Pode ser que essa disposição genética dependa do número de variantes que as crianças tem, ao longo deste diferentes genes e, se tiverem um maior número podem nem ter necessidade de um grande gatilho do ambiente, elas vão sê-lo de qualquer maneira. Aqueles que tem menos podem ser mais ou menos susceptíveis, consoante o ambiente em que se encontram, quer no útero quer fora do útero. Portanto em muitos aspectos o orquidismo pode ir e vir quando olhamos para o ambiente em que interagem, e em como vamos experienciando o mundo. Períodos de baixo stress, podes não ver tantos comportamentos associados ao orquidismo que poderás ver em períodos de maior stress. Isso é uma das coisa a terem mente. Não desaparece completamente, é só a apresentação desses comportamentos que varia ao longo do tempo, dependendo daquilo que esteja a acontecer ( à criança orquídea). Eu odeio quando as pessoas dizem que fizeste alguma coisa, pois talvez alguma coisa tenha acontecido que o tenha causado. A única coisa que podemos dizer que os pais fazem para o causar é providenciaram um ambiente acolhedor, amoroso, apoiante é incrivelmente positivo. Essa é na realidade a única componente activa. Pois o stress acontece-nos a nós, aquele acontecimento stressante nós não o podemos controlar. Mas quando nós providenciamos aquele ambiente acolhedor e amoroso, e isso é algo que tu não queres deixar de fazer, sim aí fomos nós que o causámos. Não tenho a certeza que alguma vez queira dizer que deveria ser mais dura...


S: Ou que não deveria estar tão apegada à criança…


T: Não faz sentido, portanto a única coisa que os pais fazem activamente que pode desencadear, e eu digo pode porque precisas de ter essa componente genética, é providenciar um ambiente maravilhoso. Mas todo o papel do ambiente e essa é a distinção, não estamos a falar do ambiente vaticinar o orquidismo, mas sim que a partir do momento em que és orquídea o ambiente prevê os teu resultado final (outcome).


S: Penso que deixei de te ouvir por um momento, vamos ver se isto se compõe…


T: consegues ouvir-me?


S: ...pode ter sido dos meus phones e não da chamada.


T: vou repetir: no orquidismo não quer dizer que seja o ambiente que provoca o orquidismo apesar de haver formas de o fazer, mas se fores uma orquídea o ambiente vai influenciar o resultado final (outcomes).


S: Uma questão que agora todos os pais deverão ter, como é que eu sei que tenho uma orquídea?


T: Essa é aquela pergunta que todos os pais querem saber. Realisticamente a única maneira de saberes na realidade é levares o teu filho para um estudo e compará-lo na sua reactividade ao stress em determinados eventos em relação a outras crianças da mesma idade. Essa é a definição da investigação. Esqueci-me de mencionar que estás crianças são apenas 15 ou 20% da população. Existe uma falha na reactividade nessa faixa dos 20% que aparece muito regularmente uma e outra vez. E a razão pelo que disse é que muitas vezes é relacionado com a Constituição da Pessoa Extremamente Sensível, no entanto nestas crianças a reacção não é exactamente a mesma. É que a Pessoa com uma Constituição Extremamente Sensível, em percentagem está nos 30%.

Portanto há algo que é ligeiramente diferente entre estas duas constituições, nós não sabemos muito bem o que é, e com o que é que estão relacionadas, mas há definitivamente diferenças aí. Portanto tens que testar essa sensibilidade mas isso não é algo que qualquer um de nos vá fazer , ou que a maioria de nós possa fazer, nem uma fracção de nós o vá fazer. Para a maioria de nós, como pais o que vemos são determinados comportamentos sobressaírem, o teu filho pode não apresentar todos, e pode não apresentá-los numa fase inicial da vida. É mais difícil de vê-lo na infância com algumas excepções, pois muitas vezes surge quando vemos situações de stress entrar nas suas vidas, começamos a ver algum orquidismo a surgir. Portanto uma das características é a que eu nomeio de “consciência”.

Quando por vezes os pais reparam que quando os seus bebés nascem, saiem cá para fora e que estes são aqueles bebés dorminhocos, molengões e tão amorosos… esses não são bebés orquídea! Os bebé orquídea nascem de olhos bem abertos, aparentemente preparados para assimilar tudo à sua volta , e estão como que conectados a tudo em seu redor. E parte disso pode resultar no stress que eles sentem, porque estão a assimilar demais, grande parte do tempo. Essa é uma das características que as pessoas vêm em bebés pequenos, eles têm tendência a ser mais apegados, requerem contacto constante com o cuidador que se estende naquele primeiro trimestre, peço desculpa, no 4º trimestre ou seja, o primeiro trimestre depois do parto. Os bebés necessitam dessa proximidade constante, todos os bebés nascem sem a capacidade de se regularem durante os primeiros meses, e isso é o que o contacto humano providência. O que acontece numa típica trajectória de um dente–de-leão, é que naquele primeiros três meses que são repletos de muito stress, os banhos são stressantes, a luz é stressante, novas/outras pessoas são stressantes, o barulho é stressante, e sempre que eles ficam sttressados nós confortamo-los, eles acalmam-se e isto ajuda a desenvolver esse sistema de resposta ao stress. As orquídeas fazem o mesmo, nos primeiros três meses de vida tudo é stressante, eles necessitam de ser tocadas mais vezes, por vezes as pessoas podem sentir que as orquídeas reagem mais até mesmo nesses tempos iniciais. O nível de stress delas aumenta sempre mais, mas a quebra parece surgir por volta dos 3/4 meses que é quando as pessoas podem começar a observar o que está a acontecer. As Orquídeas, eu estou a dizer orquídeas porque pensamos que seja, a investigação sobre o assunto ainda não o conseguiu demonstrar, a investigação a que me estou a referir aqui é sobre o desenvolvimento do stress ao longo da vida. E há um subgrupo de crianças que não foram avaliadas como orquídeas, mas sim como diferentes, cerca de 20%, que parecem demonstrar uma trajectória diferente e que ao redor dos 3/4 meses, e que em comparação com a maioria das crianças, que entram num período de hipo-responsividade e isso significa que para acontecimentos de maior ou menor stress, como por exemplo quando levam uma vacina, tomam um banho, elas ficam stressados mas de uma forma muito inferior à que ficavam anteriormente. Elas podem ainda chorar, vocalizar o seu descontentamento, mas numa perspectiva fisiológica não estão assim tão stressadas. E nós acalmamo-las e quando as acalmamos o nível fica mesmo baixinho, e ensinamos-lhes a interiorizar que o mundo é seguro. Quando elas experienciam estes factores stressantes, transforma-se no que nós chamamos stress positivo, que é quando os nossos níveis de cortisol não vão tão alto, e que nos ajuda a perceber que afinal este banho não é assim tão assustador. Aquelas que nós consideramos que são orquídeas por outro lado, elas não chegam a esse período de hipo-responsividade, elas continuam a disparar até a um nível alto de stress em tudo o que experienciam. Então como cuidadores, a partir desse ponto nós somos aqueles de quem elas precisam para as regular, cada vez mais ao longo dos meses. E este período de hipo-responsividade dura cerca de 3 anos e as nossas orquídeas não o têm, ou melhor, pensamos que não o têm, pode ser que estejamos a falar de um subgrupo e 20% de crianças totalmente diferente, o que normalmente não vem ao encontro da minha experiência, por isso vou fazer essa ligação. Portanto elas não tem este período, e o que acontece é que nós temos que ser o “escudo protector” delas quando elas ficam stressadas. Porque ficam afectadas pelo ambiente, pois quando és mais sensível estás mais despertai para o ambiente e como ele nos afecta em termos fisiológicos e de saúde.

Portanto num ambiente acolhedor e carinhoso em que estamos a protegê-las deste stress, o nível sobe mas vem imediatamente para baixo, o que é muito importante porque isso nega a possibilidade de esse stress se tornar tóxico, o que está associado a todos estes resultados negativos de que já falámos. Portanto quando falamos de stress tóxico, estamos a falar do tipo de stress que é contínuo que não é protegido de forma adequada e internamente está associado a uma série de resultados negativos: na saúde, na saúde mental, no bem estar geral, todos estes resultados negativos que vemos nas orquídeas que não tiveram um ambiente positivo. Portanto, o que pensamos é que este stresss tóxico se não for abafado desencadeia este tipo de resultados muito cedo na vida. E mais tarde também, se não forem reguladas, pois pode acontecer em qualquer etapa do desenvolvimento, o que as levará a este perfil de stress tóxico. Mas quando o regulamos e é positivo e vamo-las acalmando constantemente, elas recebem este efeito positivo através de nós. Contudo, o outro lado da moeda é que elas não estão a aprender que estes acontecimentos são seguros pois para elas continuam a ser assustadores, só depois de um período longo dê tempo elas poderão adaptar a estes acontecimentos, pois tornam-se previsíveis. Embora não seja um processo rápido, mas o que elas aprendem imediatamente é que a pessoa que os conforta é segura. Está é a razão pela qual mais tarde, em anos posteriores, quando as pessoas começam a ver que as outras crianças na faixa etária até aos 3 anos já se movimentam livre e despreocupadamente. E os seus filhos em ambientes seguros são exactamente iguais, em ambientes seguros eles exploram e tu tens um vislumbre de quem o teu filho virá a ser, mas se alguma coisa desencadear a sensação de ameaça, ele agarra-se a ti como se fossem um bebé coala. É como se pensassem: “-Eu não te posso largar, pois és tu que me vais manter seguro!”

Estes são alguns dos comportamentos que frequentemente as pessoas observam. Além disso é as sensibilidades, muitos pais reparam, especialmente à medida que os seus filhos crescem, que as suas orquídeas têm algumas sensibilidades sensoriais muito específicas, o que também foi identificado pelo Dr. Boyce na sua investigação. Pode ser táctil, elas não gostam de determinadas texturas, pode ser à luz, podem ser afectados pela luz e ter dificuldade em ver, se existir uma luz forte em interiores. Quase todas elas têm sensibilidade auditiva, elas conseguem ouvir tudo ao seu redor, isso pode saltar à vista. E estas são as características que tu podes encontrar muito cedo nas crianças. À medida que vão crescendo normalmente é a reacção ao stress que mais notamos. Na investigação eles podem identificá-lo como níveis de cortisol, nós identificamos como: “ -Oh meu Deus, os meus filhos estão a passar-se!”

A reacção delas a acontecimentos negativos vai tão além daquilo que poderíamos esperar, que esse é normalmente o gatilho que te leva a perceber: “ –Sim, tu provavelmente tens uma orquídea.”


S: E isso deve ser muito difícil quando tens de decidir colocar o teu filho na creche ou no jardim de infância, porque falando como uma educadora de creche e de jardim de infância, deveria ser também importante para os educadores e profissionais de educação estar despertos para isto.


T: Eu estou na esperança de criar um workshop para pessoas que trabalham com orquídeas pois existem tantas pessoas que não conhecem e esperam que estas crianças reajam da mesma forma que as outras crianças à entrada na escola e elas não correspondem. Elas precisam desse apoio extra, elas precisam daquela ligação com alguém, para poderem adaptar-se bem a esse ambiente.


S: E especialmente eles provavelmente precisam de grupos mais pequenos de crianças, não 30 crianças à solta numa sala, isso seria completamente um contra-senso.


T: Isso não seria de todo benéfico para eles, eu pergunto-me se é que isso é benéfico para alguém, ter 30 crianças a correr à volta de uma sala de aula. Eu vou apenas dizer isto…Mas para uma orquídea ...


S: Essa é a realidade mais comum na Holanda neste momento


T: Nós também temos o mesmo aqui. Em Ontário onde estou, estamos a falar de 25/30 crianças por sala, e isso é demasiada estimulação sensorial para uma criança orquídea. Estou contente por teres falado no assunto, porque por vezes as pessoas apercebem-se de que têm uma orquídea. Por vezes não o conseguem em casa Não consegues ver nenhum destes comportamentos que falámos. Muitas vezes os pais das orquídeas dizem mas o meu filho é tão feliz, eles são estas crianças alegres, divertidas, amorosas, empáticas, maravilhosas e de repente chegaram à escola eu não sei o que aconteceu, foi como se estivessem a ter um ataque de nervos, houve uma mudança total de comportamento. E é aqui que eles de repente percebem como é que os seus filhos reagem ao stress. O ambiente stressante revelou-se e tu estás a ver os resultados que ele produz.


S: E isso tem de ser tido em conta. Em Portugal é ligeiramente diferente mas aqui na Holanda temos 30 crianças por classe, mas isso é porque é o que é sustentável para o governo, para pagar ordenados e tudo o mais. E é assim que é decidido o tamanho das turmas. Mas a questão é que se tiveres crianças com estas características, e eu tenho quase a certeza de que na creche onde trabalho em part-time. Sou professora substituta vou trabalhar quando precisam de mim e para manter a ligação. Nós temos uma criança que saiu em Dezembro, porque aqui quando eles fazem 4 anos vão para o jardim de infância eles têm meia dúzia de dias para se adaptarem mas têm de deixar a creche. E eu tenho quase a certeza que ele é uma criança orquídea, e elé irá para uma sala que terá à volta de 30 crianças. Nós tínhamos 11 crianças na maioria dos dias, por vezes 8, e ele só vinha 2 vezes por semana e era difícil e desafiante para ele. Nós tínhamos que ter um lugar especial para ele, onde ele poderia estar com as suas coisas e eu não consigo imaginar como vai ser… Agora estamos em confinamento portanto está em casa com os pais. Mas quando ele tiver que ser confrontado com a nova situação será muito complicado para os pais e especialmente para ele.


T: E será. E é por isso que eu penso que é importante colocar cá fora a informação. Porque muitos vezes os pais são culpabilizados e são acusados de não terem sido duros o suficiente, ”ou não fizeram isto ou não fizeram aquilo”... E como pai se tu sentes que a culpa é tua, isso pode ser devastador, sentires que não foste capaz de dar o suporte que o teu filho precisa. O que não é verdade, na maioria dos casos. Se tu és um pai nesta situação, e te estás a questionar sobre o que terá acontecido. Escuta: tu não fracassaste, o teu filho é que tem uma trajectória diferente das outras crianças. E quando elas estão em ambientes que os super estimulam elas não lidam bem com isso. O problema não és tu, tu não podes apressar o seu desenvolvimento fisiológico. E isto é parte disso, o nível de actividade do stress apresenta outras dificuldades fisiológicas que elas têm que aparentemente são fisiologicamente imaturas, em relação às outras crianças. Não é sempre assim, nós sabemos que podem existir resultados muito positivos a longo prazo. Mas nós estamos a falar de um período ainda mais longo, a maioria dos estudos aponta para idades muito posteriores aos 3 anos ou 4 anos.

Há alguns elementos que poderão estar de acordo com este periodo, eles ( os investigadores) olharam para aspectos como o aumento peso, onde consegues ver trajectórias em bebés prematuros, que normalmente têm dificuldades, os ambientes diferentes podem levar a um melhor aumento de peso o que é um bom resultado que vemos logo no início de vida.

Mas em termos de comportamento não é surpreendente que seja mais tarde, porque quando olhamos para o desenvolvimento da regulação emocional em termos gerais, isso não é algo que se alcance aos dois anos de idade ou 3, todo este movimento da “auto-apaziguamento” é uma bela treta ( desculpem a minha linguagem).


S: Eu diria precisamente o mesmo, não o diria melhor.


T: simplesmente não existe, os bebés começam a reagir e é através de alguns processos automáticos que alguns bebés usam, que muita gente confunde com auto-apaziguamento, só porque alguns bebés chucham no dedo cedo, podem agarrar nas mãos, podem fazer ter diferentes expressões físicas que os ajuda a acalmar o organismo, mas não o estão a fazer intencionalmente. É como um reflexo, sabes quando adoecemos e quase todos nos pomos as mãos em cima do estômago? Não estamos a fazê-lo para conscientemente afectar o nosso organismo, apesar de o fazer, é apenas um comportamento que expressamos. E é isso a que chamam auto-regulação precoce, ao que eu não quero sequer chamar auto-regulação pois não se trata de regulação emocional pois é automático. Estamos a falar de co-regulação nós regulamo-los a eles, e durante muito tempo.E com as orquídeas este período tem de durar ainda mais tempo. Mas mesmo as nossas crianças dentes-de- leão precisam da nossa co-regulação em alturas de stress para ajudá-los, nós podemos ver algumas situações de regulação emocional nas idades de creche/ jardim de infância mas são muito básicas. E normalmente são baseadas em frustração, como por exemplo, eu não consigo alcançar alguma coisa, não consigo colocar a peça no topo da torre, e estes são os tipos de situações em que eles se conseguem melhor auto-regular. Mas mais tarde, quando se trata de situações sociais especialmente relacionadas connosco pais ou pessoas de quem gostamos é mais difícil, eu própria não reage muito bem nestas situações. Eu tenho 41 anos


S: Eu tenho 45 e também por vezes tenho dificuldades em auto-regular-me, por vezes!


T: Exactamente. Todos nós temos essa dificuldade e demora anos a desenvolver essa capacidade. Se pensarmos numa trajectória natural da regulação emocional como uma duração de determinados anos terás que acrescentar mais anos, se estivermos a falar uma criança orquídea pois há tanta coisa que as influencia e é qualitativamente diferente.


S: Isto é pessoal, mas tu falaste disto publicamente, tu tens uma filha orquídea e tu estás a fazer Homeschooling com os teus filhos. Homeschooling na Holanda não é permitido, pode ser legal mas tens de passar por uma série de burocracia, o que é muito complicado. Alguns expatriados fazem-no porque já o faziam noutros países Mas o processo é terrível e aqui considera-se, que todas as crianças devem ir para a escola. E podes mesmo ser multado se teu filho não estiver na escola quando já deveria estar. Por trás disto está uma filosofia boa, podemos assim o dizer, porque o governo tem todo o tipo de escolas, podes escolher qualquer metodologia/pedagogia Waldorf, Montessori, Católica, Não Católica, Budista, Muçulmana, etc... o governo oferece todo o tipo de escolhas por isso tu terás que encaixar numa delas. Mas algumas crianças não encaixam, elas simplesmente não se enquadram, independentemente daquilo que tu faças, pode ser que mais tarde na vida o consigam mas não naquele momento.


T:Precisamente e trata-se de encontrar o encaixe perfeito. Para nós quando vivíamos em Vancouver, a minha filha frequentou uma Escola na Floresta e foi o melhor encaixe de sempre. Eu juro que havia qualquer coisa especial, nunca conheci uma orquídea que não florescesse numa escola da floresta. Estar ao ar livre é tão…, nós sabemos que estar na natureza acalma a parte do cérebro onde estão os receptores de stress, portanto elas estão num ambiente ideal para as manter reguladas. Era um grupo muito pequeno, ela estava num grupo de 6 ou 7 dependendo do ano, portanto era este grupo pequenino, que não é tão barulhento, se pensarmos nos ecos dos sons numa sala de aula. Seis crianças independentemente do quão alto falem numa floresta , podem-se afastar 10 pés, e é completamente diferente em termos sonoros. Nós fazemos Homeschooling devido ao seu orquidismo mas também porque a minha filha é disléxica, o que acrescenta toda uma outra nuance em relação à aprendizagem em ambiente escolar. Eu desejava que houvessem escolas que fossem inclusivas ou que tivéssemos uma Escola da Floresta em full-time, que os meus filhos pudessem frequentar aqui, ou apenas uma escola emocionalmente centrada, que focasse nas capacidades sociais e emocionais, em grupos pequenos com diferentes idades, se eu pudesse desenhar a minha própria escolar…


S: Tenho a certeza que serias a pessoa perfeita para o fazer, mas não sei onde ias encontrar o tempo.


T: Teria que encontrar outra pessoa para a gerir porque não sei ensinar, ensinar não é definitivamente a minha Área!


S: Essa é outra questão, nem toda a gente sabe ensinar.


T: Exactamente. E eu sou uma dessas pessoas. E eu sei-o, porque tive que dar aulas numa universidade, durante o meu doutoramento. E dei por mim um dia, quando tinha de explicar determinado assunto e alguém me fez uma pergunta, e eu simplesmente respondi-lhe mais ALTO.

Literalmente dei por mim a fazer isso! E a pensar mesmo em como haveria de explicar de outra forma. E pensei: “-Ok, vais ter que trabalhar nisso.” Mas eu não sou simplesmente uma professora, não é mesmo a minha “cena”. Não com crianças e especialmente crianças muito pequenas, porque fico assoberbada porque eu também acho que tenho traços de orquídea. E quando há várias crianças eu tenho que me acalmar.


S: Calma! É demasiado para mim!


T: Eu percebo de onde é que veio este sentimento nas crianças, e era óptimo que as escolas estivessem preparadas para os receber pois eu não tenho um problema com a escolarização, tenho é um problema com as opções disponibilizadas que não vão ao encontro e, não estão dispostas a ir ao encontro das necessidades das minhas crianças


S: Tal como sabes sou uma educadora de creche e jardim de infância Waldorf, e a pedagogia Waldorf olha para a criança de uma forma diferente e o ambiente é muito mais caseiro mas no entanto continuas a depender de dinheiro e a precisar de ter determinado número de crianças. Normalmente, em Portugal, temos grupos mais pequenos, aqui na Holanda não, mas ainda assim os dias são muito longos porque os pais também trabalham muitas horas o que para uma criança orquídea deve ser terrível. Mesmo que sejam 15 ou 16 crianças das 8 as 17h eu penso que seja demasiado, demasiado para qualquer criança. Até para nos adultos é demais!


T: Certo! Até nós não trabalhamos tantas horas, nos temos um dia normal de trabalho mas eles têm ainda todas as horas extras. Estou muito contente que tenhas utilizado a palavra demasiado porque isso faz-me lembrar que essa é o mantra da minha filha como orquídea “demasiado” . O mundo torna-se demasiado e é que elas vivem constantemente. Elas recebem esta consciência, ao longo da infância, onde elas estão despertas para tudo o que está à sua volta, e para os estados emocionais das pessoas ao seu redor. E isso é algo que está tão desperto nelas, qualquer criança está consciente de como te sentes antes de tu própria o saberes, e aquele rasgo de emoção no rosto de alguém elas apanham-no imediatamente.

Quando gerido de acordo os níveis de empatia e simpatia pelo outro são muito superiores mas quando são obrigadas a ir a situações de angústia ainda têm níveis altos de “empatia” no que se refere a perceber as emoções dos outros mas manifesta-se em angústia pessoal. Elas tornam-se focadas em si próprias porque não têm as ferramentas para lidar com isso, e esta é uma das lutas que existe permanentemente dentro delas. Mas o que acontece muitas vezes é que é demasiado, ou seja uma criança está sempre a experienciar demasiado. Penso que isto é útil recordar sempre aos pais e resulta comigo, porque por vezes essas grandes emoções naqueles momentos críticos, como quando estás a querer sair de casa e ficas completamente assoberbada, e se a tua criança começa a perder o controlo, eu tenho que me conseguir lembrar que é apenas demasiado para ela neste momento. Ajuda a simplificar as coisas se pensarmos no que é que podemos fazer e se nos focarmos numa só coisa de cada vez, vamo-nos acalmar, vamo-nos ligar/conectar e acalmar. Vamo-nos focar no que vem a seguir e gerir as coisas a partir daí, e está é uma outra ferramenta muito útil quando se é pai de uma orquídea. Eu fiz disto o meu mantra e digo isto às minhas famílias: “ nós não tomamos decisões enquanto não estivermos todos calmos,” porque o contrário disso é o que leva ao “demasiado”. Nós estamos a tentar fazer isto, aquilo está a acontecer, e torna-se uma confusão esmagadora. Mas pelo contrário se te focares apenas no objectivo de estar calmo, uma coisa que descobri em relação às orquídeas é que a consciência emotiva estende-se a elas próprias, e é aí que assim que estiverem calmas, conseguem resolver quase todos os seus problemas. Elas podem começar imediatamente a dizer: ”- Ok, sabes estou-me a sentir assim, eu preciso disto ou preciso daquilo…”, e nós ficamos espantados por elas não precisarem que lhes digamos o que é que elas têm de fazer, elas apenas precisam de nós para as regularmos para que atinjam o estado em que conseguem perceber o que têm de fazer


S: Parece-me que elas até são mais capazes de gerir os seus sentimentos do que as crianças “normais” ou as crianças dente-de-leão, pois estão muito mais conscientes dos seus sentimentos. Enquanto as outras crianças, no geral, estão muito dispersas e não se centram, esta é uma das muitas coisas boas que têm as orquídeas. A outra questão que penso que também temos de falar é que, a longo prazo, estas são crianças que têm muito a dar a toda a gente, a todos os que estejam ao seu redor


T: Precisamente, elas têm tantos pontos fortes. Aquilo que disseste sobre a regulação emocional. Este é um dos resultados a longo prazo que nos vemos nas orquídeas que resulta de um caminho com dois resultados possíveis. Eu penso que se resume a isto, quando pensamos sobre a resposta ao stress nos primeiros anos, que falámos no início. Estamos constantemente a guia-los para ajudá-los a co-regularem-se. Ao contrário da maioria das crianças que de repente parecem já não necessitar muito de nós, em que nós já não necessitamos de estar constantemente a dar-lhes as ferramentas de que eles precisam, nós não estamos a construir a sua caixa de ferramentas” ( no que se refere a regulação emocional). Mas com as orquídeas nos somos forçados a construir essa caixa de ferramentas. Nós temos que dizer: “- Ok, vamos focar-nos no que estás a sentir, vamos parar um momento, estás com fome, pensa no que estás a sentir agora,... porque é que não vamos respirar fundo, porque é que não vamos tentar isto…” Tentamos todos os tipos de estratégias e falamos sobre tudo isso. Quando chegar uma altura em que eles já são mais velhos e surja qualquer situação, eles já são capazes e dizem: “- Ok, eu resolvo isto, eu tenho várias estratégias que posso utilizar.”

E vamos encará-lo, quando chegamos aos 18/19 anos, ou mais velhos, enfrentamos uma série de situações em que não podemos ter pessoas exteriores a co-regularem-nos. Por isso necessitamos de já ter um determinado número de estratégias. Os dentes-de -leão podem enfrentar estas situações e dizer: “- Eu não tenho uma estratégia para isto!”

Portanto eles acabam por não lidar com o assunto e, ficam sempre ali num plano médio. Enquanto as orquídeas quando têm estas estratégias acabam por resolver estas situações de uma forma muito superior, mas quando não têm estas mesmas estratégias resolvem de uma forma muito inferior aos dentes-de-leão porque reagem de uma forma ainda pior, pois o stress é demasiado forte e elas têm a falta das ferramentas para lidar com ele


S: É uma aprendizagem para os pais. Nós na antroposofia costumamos dizer que são as crianças que escolhem os pais antes de virem ao mundo. Penso que neste caso, quer acredites nisto ou não, faz todo o sentido. Pois tu como pai se tiveres uma criança com estas características terás de evoluir para estares presente e tens que gerir-te a ti próprio, e é isso que é educação, é auto-educação. E tu vens até ao pai/mãe que te possa encaminhar e por outro lado estás a ajudar o teu pai/mãe também ( a evoluir). Pois como pai ou mãe tornar-te-ás uma muito melhor figura parental, e uma muito melhor pessoa.


T: Faz-me lembrar uma situação que eu escutei algures, que não sei se é parte de uma filosofia ou religião, não me lembro onde, mas nunca mais fui capaz de encontrar, não faço ideÍa, que diz algo como: “tu não recebes a criança que queres, recebes a criança que precisas”. E é a mesma coisa que o que disseste, de escolher os pais antes de vir ao mundo e ajudá-los a evoluir ou a crescer como pessoas e a mim faz-me todo o sentido. Pois eu sei que eu cresci, pelo facto de ter tido ambos os meus filhos. E o meu filho esta no limiar das orquídeas, eu não tenho bem a certeza se ele é uma orquídea, não tem exactamente as mesmas características mas não é definitivamente um dente-de-leão. Mas eu cresci com ambos de formas diferentes, o que me foi pedido a mim foi muito diferente no caso de cada um deles. Eu pensava que não era capaz de lidar com isto, para se honesta, quando estava grávida estava tão segura que tudo ia acontecer de certa maneira, e eu sabia no entanto que eu ia “co-sleep” sabia que ia amamentar, todas essas coisas estavam claras e o resto ia encaixar como eu esperava, e não foi isso que aconteceu. Raramente é o que acontece. E se for uma orquídea nada vai acontecer como esperas.


S: Depois de te conhecer e ler o que escreves sobre o assunto tenho quase a certeza que o meu mais velho é uma criança orquídea, e eu fiz todas as coisas erradas. Quando sais da faculdade tu basicamente não sabes nada. Eu a Felipa passamos a vida a dizer que começámos a aprender quando saímos da faculdade. E a verdade, é que se vens com todo o conhecimento, porque és uma educadora de infância e então sabes psicologia, e isso é o pior… Porque tens todos os “deves” e os “é assim que se faz” que a maioria deles são um completo disparate e o meu primeiro filho sofreu devido a isso, porque tenho a certeza que não lhe respondi da forma que devia, e ainda estou a tentar compensá-lo todos os dias. E é possível fazê-lo, eu vejo isso como meu filho pois tornas-te um pai mais consciente e uma pessoa é uma figura parental melhor. Mas eu tenho a plena consciência que a maioria das situações foi por culpa minha, pois eu não lhe dei a resposta que ele precisava. Porque é aquilo que a sociedade te faz crer.


T: E isto é tão importante porque eu acredito que haja muitas famílias nessa situação. Eu quero mencionar algo que eu já sei que tu já sabes mas vou dizê-lo para quem ainda não o sabe.


S: …se eu sei é por tua causa!


T: Nunca é demasiado tarde. Nos esquecemos que existem períodos que o nosso cérebro tem imensa plasticidade, portanto nos temos determinados períodos de picos de plasticidade. No período dos 0 aos 3 anos é um período muito plástico pois estão a absorver tanta coisa e estão a preparar o cenário para o future. Também é muito plástico na adolescência em que assimilam muitas noivas coisas mas, também é muito plástico em períodos mais tarde quando nos tornamos pais e o nosso cérebro volta a reorganizar-se. Mas mesmo entre estes períodos existe plasticidade, demora um é pouco mais. Por isso eu gosto de lembrar as famílias que se não começaram da melhor forma, nunca é demasiado tarde. Têm que assumir a perspectiva de que vai demorar é muito mais tempo, não vai ser uma solução rápida, estilo vou fazer isto por um mês e está tudo resolvido. Não é assim que funciona. Mas nós vimos estes benefícios até em coisas como…. um estudo feito pelo grupo da Meghan Gunners, da universidade de Minnesota, que fez o estudo sobre o stress do qual eu tenho estado a falar, ela é fabulosa! E durante décadas, anos na sua carreira ela tem estado a olhar para o desenvolvimento do sistema de stress. E eles olharam para miúdos que foram institucionalizados, portanto estamos a falar de situações severas, não estamos a falar de crianças orquídea, estamos a falar de vidas severas de negligência. Quando eles são adoptados antes dos 2 anos de idade, têm um perfil neurológico completamente diferente durante a infância, independentemente do quão positivo seja o ambiente em que eles são colocados. Esses primeiros 3 anos continuam a ditar as suas respostas em relação ao stress e tudo o mais. No entanto, elas chegaram à adolescência e a investigação consegui acompanhar estas crianças, portanto estas crianças agora chegaram à adolescência e o que eles descobriram (isto é um estudo que saiu recentemente) estas crianças que tinham sido adoptadas na infância e colocadas num ambiente positivo, apesar de não termos visto os efeitos neurológicos durante esse período, assim que chegaram à adolescência elas projectaram o seu cérebro para reagir exactamente da mesma forma que um criança que teve toda a vida um ambiente positivo. Portanto o cérebro está a interiorizar essa informação. Está a armazená-la em qualquer lado, não sabemos onde, e durante esse próximo período de crescimento ela processa: “ - Ok é este o ambiente, portanto eu vou ultrapassar isto!” E é como se eu tivesse vivido neste ambiente toda a minha vida.

Quando as pessoas têm receios, pois estas são famílias que assistiram a anos de possivelmente comportamentos influenciados pelo stress nas suas crianças, mas no entanto elas acreditam nos benefícios de continuar neste caminho da parentalidade positiva, quando estas crianças chegam à adolescência e vamos encarar o assunto, a adolescência é uma fase com que todos nós nos preocupamos, todas as coisas que podem correr mal nesta fase…


S: Tenho cá em casa dois, com 14 e 16 anos


T: Portanto tu tens noção… Quando chegamos a está fase nós entramos em pânico. Nós vimos que esta é uma outra fase de crescimento massivo, este período da adolescência, e eles podem interiorizar tudo aquilo que aprenderam e que fomos mudando ao longo do tempo, mas no entanto se não vimos mudanças até este período, quando chegarem à idade adulta, poderá ainda ser mais difícil. Mas tenham a noção de que o cérebro da vossa criança mudará de novo quando se tornarem pai ou mãe. Nas mulheres ocorre durante a gravidez se for um homem, estamos a falar de quem é que fica grávido, feminino ou masculino, independentemente de quem decida engravidar, que, quem quer que seja que decida engravidar, passará por uma transformação de maturação do cérebro durante esse período. Nos parceiros parece que acontece depois dos bebés nascerem quando eles têm contacto com eles. O cérebro como que diz: “- Olá está na altura de mudarmos outra vez!”

Portanto todas as coisas que fazes durante esse tempo até aos teus filhos se tornaram eles pais pode levar a uma mudança positiva em termos de trajectórias a longo prazo. Nós não queremos pensar só em termos de curto prazo temos de pensar como provocamos mudanças que não só nos afectam e afectam as nossas crianças, como quando chegar à altura de eles terem filhos também terão esse impacto positivo nos netos. Esperemos!

Esta é a razão porque eu nunca quero a que as famílias sintam que não há solução ou que “estragaram tudo”, e que o vão passar as próximas gerações. Não, nós fazemos mudanças, passo a passo, e é crucialmente importante que nos lembremos disso independentemente de termos crianças orquídeas ou não. Eu falei sobre o assunto com a minha própria mãe, porque a minha avó era uma pessoa muito…, não intencionalmente negligente, mas na altura em que a minha mãe nasceu a minha avó ouviu os médicos todos e todos diziam dá-lhe de comer a cada 4 horas, não lhe pegues ao colo quando chorar, ela precisa de aprender a estar sozinha e auto-consolar-se e tudo o mais.

E a minha avó dizia que a minha mãe berrava, e às vezes a minha avó só esperava 2 horas até lhe pegar ao colo mas a minha mãe estava constantemente a chorar, muito alterada, a precisar daquele consolo. E isso teve um efeito negativo na vida da minha mãe. Mas a minha mãe foi capaz de mudar e ela alterou a forma como foi uma figura parental como resposta aquilo que lhe tinha acontecido a ela. Isso permitiu-me dar um passo em frente com os meus filhos e por isso vejo-o como algo geracional. Até a minha avó, dando-lhe o louvor merecido, (elas já faleceram as duas, a minha mãe e a Minha avó ela) disse-me quando eu estava com a minha filha: “- Tu sabes ela tem tanta sorte. Eu não fui uma boa mãe. Eu ouvi o que eles me disseram, mas eu consigo percebe agora que isso não foi positivo. Tu és muito melhor mãe do que seu alguma vez fui.”

Ela conseguia ver e ter a compreensão de onde é que as coisas tinham corrido mal. E isso também tem imenso poder pois alguém reconhece-lo é o suficiente para provocar uma mudança. E é isso que eu penso.


S: Essa é a pior parte, a culpa que todas mães sentem porque seguiram recomendações que não deviam. Mas como eu digo sempre aos pais: Tu fazes aquilo que podes com aquilo que tens naqueles momento. Não podes fazer mais do que aquilo que sabes. E evoluímos a partir daí…


T: Exactamente, é impossível. Eu por acaso quero abordar a ideia de parentalidade perfeita, que é aí que ficamos bloqueados . Com as crianças orquídeas pode dar a sensação que nós temos de ser perfeitos, que eles precisam desta figura parental perfeita, mas isso não é verdade. Eu contra argumentaria que a parentalidade “ perfeita“ se existisse com uma criança orquídea, seria contra-indicado, pois acredito que a nossa ideia de parentalidade perfeita com estas crianças é protege-las de tudo. E tu não o podes fazer porque não serás capaz de o fazer. E a nossa função é expo-los a situações que podem ser difíceis preparando-as o melhor possível, a cometer erros em frente a elas e com elas, e mostrar-lhes que nós reagimos tentando remendar a situação, pedindo desculpa e ajudando-as a perceber como as pessoas erram ao longo da vida. As crianças orquídeas também tem tendência à medida que crescem de serem perfeccionistas, elas têm esta característica devido à sua consciência das outras pessoas ,estão muito despertas das expectativas que têm sobre elas. Imagina que elas nos vem a escrever letras o tempo todo. Pela perspectiva delas, nós escrevemos as letras sempre correctamente. É esse o padrão que elas interiorizam, que os adultos fazem-no sempre correctamente. Quando elas o vão fazer, elas dizem: “- Eu sou terrível, sou péssima nisto, etc..

E és capaz de ouvir a frase: “- Eu não sou capaz”, muitas vezes. E elas precisam que nos lhe mostremos que elas são capazes e que nós também cometemos erros. Como por exemplo: “- Olha, quando eu tinha a tua idade demorei dois anos até conseguir fazê-lo correctamente.” Todas estas pequenas coisas, quando elas estão rodeadas de pessoas que elas vêm a ter sucesso, elas podem sentir a pressão de também terem sucesso em todas as situações. Portanto, queremos ter a certeza que elas entendam que não é necessariamente assim que as coisas funcionam. Todos cometemos erros e nós modelamo-las ao cometermos os nossos próprios erros. Esperemos que não sejam erros graves, não queremos que ninguém vá bater nas nossas crianças, não estamos a falar disso, mas em termos de parentalidade perfeita todos nós cometemos erros. Todos nós temos aqueles momentos em que desejaríamos voltar a trás.

Eu tenho-os diariamente. Todo o santo dia, faço determinada coisa e penso: “- Oh meu Deus, não acredito que voltei a a fazer o mesmo outra vez!”

E aí tenho que me sentar com elas e dizer: “- Sabes, desculpa isto é como eu vou resolver a situação”… e aí criamos uma relação melhor. A minha filha orquídea é capaz de me dizer no momento: “- Mãe não é suposto fazeres isso!”


S: E elas vão dizê-lo!


T: Se dizem! Elas estão completamente preparadas para chamar a atenção, mas apenas quando se sentem suficientemente seguras. E alcançar essa segurança, começa por nós reconhecermos os nossos erros. E quando nós reconhecemos os nossos erros, permite-lhes sentirem-se confortáveis com os seus próprios erros. Permite-lhes serem capazes de encarar as coisas. Esta ideia da parentalidade perfeita, ponto A: Não existe!

Mas, é importante recordar que as ajudamos quando cometemos erros. Não é nada em detrimento delas mas é, na realidade, algo bastante positivo desde que seja feito uma forma razoável. E eu gosto de falar na regra dos 20-80% , tentar ser o que a tua orquídea precisa 80% do tempo e perdoa-te durante os restantes 20%. E usa esses 20% para lhes mostrar como os erros são reparados e como os ultrapassamos.

Por exemplo, experimentas uma situação com a tua orquídea que é demasiado para ela, com a minha filha, por exemplo, foi uma aula de Karaté.

Meus Deus do céu isso é que foi um desastre!

Quarenta crianças dentro de uma sala, todos a gritarem, ninguém percebia muito bem o que se estava a passar e alguém estava a tentar movimentar o corpo dela para ela fazer os e exercícios. Resultou nela a correr para fora da aula e só chorava e dizia: “- É demasiado, é demasiado.”

Então eu respondi-lhe que não íamos voltar. Sabes quando às vezes, com as orquídeas, temos a tendência de as forçar? Temos de tentar encontrar esse balanço


S: Eu fi-lo porque toda a gente dizia: “- Não ele tem de fazer isso, todas as crianças fazem isso...”


T: Exactamente e é nessa alturas que nós aprendemos. Podemos dar um passo atrás e dizer-lhes, olha sabes na realidade isto é demasiado. Mas, por vezes temos mesmo que forçar a situação, por vezes temos de lhes dizer: “- Sabes eu acho que consegues fazer isto. Vamos tentar, vamos começar com algo pequenino e vamo-nos habituando a isso. Mas eu acredito que tu és capaz de fazer isto.”

É uma questão de: a) primeiro deixar as emoções virem ao de cima.

Eu vou partilhar a história com vocês. A minha filha fez ginástica e eles tinham que fazer uma grande Competição no final do ano, que não eram obrigados a fazer, mas todas a gente fazia. Em que eles tinha, de fazer uma série de exercícios e eram avaliados por juízes e todos os pais estavam a assistir. Portanto tu entravas ( e eu não fazia a mínima ideia de como aquilo ia ser) e quando olho à volta pensei: “- Oh meu Deus isto é demais, há imensa gente a assistir!”

Então ela pôs-se na fila para fazer o aquecimento e, a meio do aquecimento, ela tinha 8 ou 9 anos na altura, corre para mim e começou desabafar: “ - Não me faças fazer isto, eu só quero ir para casa, eu não consigo fazer isto, não me faças fazer isto, etc...”

E recorrendo ao princípio número um, eu disse-lhe: “- Primeiro que tudo vamo-nos acalmar e depois tomamos uma decisão.”

E ela continuava a repetir: “- Não me faças fazer isto.”

E eu abraçava-a, enquanto ela continuava a pedir para se ir embora. Por sorte, o terminado dela era fantástico e fez-nos um sinal de não há pressa, levem o tempo que precisarem, eu estou aqui. E nós demorámos 5 a 7 minutos até ela acalmar. Ela finalmente respirou fundo e aí eu perguntei-lhe: “- O que é que queres fazer? Porque temos várias opções: tu podes escolher fazer só alguns dos exercícios que gostas de fazer…”

E ela respondeu-me: “- Então é se eu fizer só um? Vou só fazer o primeiro.”

E eu respondi-lhe: “- Acho óptimo, e se no final do primeiro estar feito e não quiseres continuar, nós vamos para casa.”

Ela fê-los todos! E, no final estava tão feliz! E porque ela tinha passado todas as provas, ela estava radiante. Nós compramos-lhe as rosas que normalmente são entregues no final.

Mas primeiro ela teve de chegar ao ponto A : deitar cá para fora as suas emoções. Tu não podes tomar uma decisão quando elas estão emocionais, e elas também não conseguem tomar uma decisão quando estão emocionais.

Pois o nosso instinto quando elas reagem desta forma, ser: “- Ok, vamos embora, isto é demasiado.”

Mas, na realidade, por vezes não é. Por vezes podes escolher aquela coisa pequenina e dizer: “ - Sabes que mais, vamos só experimentar esta coisa pequenina. Ou então vamos so experimentar uma coisa, estás confortável com só experimentares fazer uma coisa?”

E, como ela estava, porque o primeiro exercício era um dos seus favoritos, por isso correu bem. Depois de ela o fazer uma vez, surgiu aquele sentimento de que poderia continuar. E este é o tipo de trajectória que as nossas orquídeas precisam.

Mas, o Karaté por exemplo, quando ela era mais nova ela, ela não estava preparada para isso. Era para além de assoberbante, nunca iria funcionar com ela, e por isso eu não voltei a tentar uma segunda semana e nós demos um passo atrás.

Aprender as limitações da própria criança, numa criança orquídea, é um processo contínuo. E é este o balance, um passo para a frente e um passo para trás, podes experimentar algo de errado durante um par de semanas e chegares à conclusão que isso na realidade não funciona. Podes demorar um ano a chegar a essa conclusão. E isto são situações que acontecem constantemente em famílias que têm orquídeas. É como tu disseste tão bem anteriormente, tu só podes fazer teu melhor com aquilo que sabes. E mesmo conhecer a nossa orquídea demora bastante tempo, até termos essa consciência.


S: Muito obrigada isso é muito bonito. Posso dizer por exemplo que com o meu filho ir ao cinema era demasiado. Ele tinha 6 anos e era algo que ele não era capaz de assistir porque era barulhento, o som demasiado alto e toda a a iluminação diferente e nós pura e simplesmente saímos.

E as outras pessoas diziam: “- Como é que isso é possível, o meu filho vai ao cinema desde que tem 3 anos!” (O que eu não considero minimamente adequado. Essa é a minha opinião mas, muita gente fá-lo.)

Eu recordo-me de ir assistir ao Harry Potter, e ter crianças de 4 e 5 anos ao meu lado, às 9 da noite ,e eu já era uma adulta. O meu filho tentou ir ver o Cars ou o Cars2 , não me consigo lembrar qual era, e foi demasiado para ele. Ele não conseguia ficar dentro da sala.

E os comentários das outras pessoas eram que o protegíamos demasiado, e que isso não era normal. E tu começas a matutar nisso, começas a julgar-te: “_ Estarei a ser demasiado sensível, demasiado condescendente?”


T: Por isso é que é tão difícil. E eu penso que os pais o percebem por exemplo, em eventos, onde isto acontece muitas vezes ou em festas de aniversário, quando os miúdos têm dificuldades nas festas ou ir a determinados sítios, pois eles demoram tempo a ambientar-se. Precisam de tempo, precisam de tempo de ambientação, são tudo coisas de que precisam. Nós podemos oferecer-lho da melhor forma que nos for possível.

Uma outra situação é a disciplina, essa é outra área em que eles têm uma grande “explosão” como uma birra quando são pequenos e alguém te diz deverias colocá-lo no “sitio”, as orquídeas dão-se pessimamente com aquilo a que chamamos a disciplina comum dos dias modernos. Esse tipo de disciplina passou a ser um castigo. Disciplina que vem da palavra discípulo que significa ensinar. É suposto ensinar-mos as nossas crianças. Eu digo sempre, em relação às orquídeas, que uma das pequenas coisas que nos podemos sempre lembrar e que abrange tantas nuances diferentes, é quando eles estão numa situação difícil, eles podem fazer uma birra, podem bater ou o que quer que seja que estejam a fazer, o teu foco no momento têm de ser mais uma vez em manter a calma, ficar calmo. E há uma ferramenta que eles têm de aprender. O teu trabalho não é castigá-los por não conseguirem regulá-lo, é antes perceber como posso ajudá-los a construir essa capacidade de regular-se mais tarde. Portanto não é uma parentalidade permissivas deixá-los andar e dizer: “ - Eles vão bater em toda a gente para todo o sempre…”

Tu tens de discuti-lo, tens de entender o que é que lhes está a faltar, como é que os levamos a chegar lá. E é esse o nosso papel como pais, ajudá-los a construir essas estratégias. E para uma orquídea isso poderá demorar mais tempo porque é que reagimos impulsivamente perante outras pessoas? Porque ficamos stressados. Nós gritamos como pais, porque está tudo a acontecer ao mesmo tempo, e então nós gritamos. E o nosso gritar é o equivalente a uma criança que bate. Elas ficam assoberbadas e reagem impulsivamente.

O nosso objectivo é não os deixar ficar assoberbados, tal como acontece connosco, nós não nos ajudamos ao dizer simplesmente: “- Não vale a pena gritar.”- isso não acontece. Temos de pensar no que é que eu posso fazer, para me acalmar. E para as orquídeas isso faz tanto parte da sua consciência emocional, que é tão avançada, que a única coisa que tu precisas é que elas se foquem na capacidade de se regularem. Por mais difícil que seja, e mesmo quando as outras pessoas te estão a dizer outras coisas, ignora-as!

E eu sei que há pessoas que dizem coisas… até mesmo em relação à minha filha de 10 anos, porque ela quando está numa situação complicada pode se tornar muito emocional, mesmo diante de outras pessoas, ela não se importa. E nós temos pessoas que olham para nós como quem diz: “-Óh! Se calhar é melhor dizeres-lhe para ela se “atinar”!”

E essa não é a situação. Ela está transtornada, está é uma reação completamente válida, e ela não está a atacar ninguém. Ela está simplesmente incomodada, apesar de parecer que está “excessivamente” incomodada. O que é quer que isso queira dizer…


S: Ou porque são demasiado envergonhados ou tímidos, e as pessoas dizem : “ -Tens de o“ lançar às feras”..” – essa não é a resposta, ele simplesmente não é capaz de o fazer. Se ele se sentir seguro, ele estará confortável e perfeitamente à vontade. Mas com pessoas que com quem ele se sente seguro, não com pessoas que ele não conhece ou em novos ambientes.


T: Exactamente! Para as pessoas que estão na dúvida se tem uma orquídea, se tiverem a sensação que o vosso filho tem personalidade dupla esta é uma das características. Porque na realidade eles são completamente diferentes em ambientes diferentes.

Em ambientes em que eles se sentem seguros, eles podem ser barulhentos, extrovertidos, vivazes, etc, ... mas quando não estão (seguros) é uma criança totalmente diferente que surge, são calados, inibidos, necessitam mais de nós e muitas vezes nós ficamos na dúvida qual deles é a verdadeira criança. Claro que é aquela que eles são quando se sentem seguros. Mas verás esta outra criança surgir também, quando eles estão nestas situações mais difíceis


S: Isso é tão verdade, não te posso agradecer o suficiente por tudo aquilo que estás a partilhar e penso que isto será extraordinário para todos os pais, educadores por aí, professores, qualquer pessoa que lidem com crianças em qualquer situação. Avós, porque os avós podem ser muitas vezes intrusivos e por vezes é preferível mantê-los à distância. Eu tive de fazê-lo por vezes, não com os meus pais, mas tive que o fazer com outras pessoas de mais idade e dizer-lhes: “- Peço desculpa mas não é assim que funciona connosco.”


T: A nossa tarefa no final do dia, é sermos o suporte que as nossas orquídeas precisam que sejamos. E isso implica tomar decisões difíceis em relação as pessoas que estão próximas das nossas orquídeas, intervir na forma como elas interagem com as nossas orquídeas.

O mesmo se passa se tiveres um mau professor, poderás ter de ser o advogado da tua criança, desde o início, e dizer esta turma não está a funcionar precisamos de uma turma diferente. Se houver bullying, ou outra situação que se esteja a passar, tu és o advogado da tua orquídea e podes ajudar a construir o ambiente em que eles se movimentam, dentro das tuas capacidades. Há coisas sobre as quais não temos controlo mas, é essa a nossa função, o que podermos fazer para mitigar esse efeito mais tarde, e tu tens poder aí. Os pais das orquídeas devem lembrar-se de que têm mais poder do que o que atribuem a si próprios, mas, muitas vezes, não é o poder que querem que tenhas (a sociedade).


S: Essa é a grande verdade, tão verdade. E a verdade também é que eles têm de ir para o mundo e tu não estarás la para sempre. A super-proteção também não é a solução. Eu sei que alguns pais chegam ao extremo no lado oposto, e isso também não é saudável. Porque a longo prazo eles terão de interagir no Mundo, não vão ficar fechados no seu quarto para sempre, ou pelo menos não deviam…


T: Esse não é um objectivo de vida que queremos que eles tenham.


S: Quem sabe, talvez em algumas pessoas seja essa a razão do porque se isolaram, é nós nunca o tínhamos concluído antes?


T: Talvez fosse isso, o mundo era demasiado para eles. E não viram outra alternativa se não isolarem-se…


S: E perdes tanto na vida e não é isso que nos queremos definitivamente para as nossas crianças. Eu excedi-me quase mais 20 minutos do que tínhamos combinado. Eu sei que estás muito ocupada, e eu só quero agradecer de fundo do coração, mais uma vez, e espero que possamos fazer isto outra vez sobre outros tópicos porque eu sei que posso falar contigo sobre qualquer assunto, tens tanto a oferecer a toda a gente.

Mais uma vez muito obrigada, espero ver-te em breve é que toda a gente te comece a escutar e seguir. Eu colocarei todos os teus contactos, os links para os pais, professores e todas as pessoas que tenham interesse e despertem para o assunto. Eu não compreendo porque é que não temos essa informação em Portugal. Existe um livro, o do Dr. Thomas Boyce, mas em português do Brasil e tens de comprar no Brasil, importar para a Europa e pagar todas as taxas, acabando o livro por ficar quase em 60€. Em inglês temos uma série de informação, temos o teu site, mas é inacreditável porque é que por vezes parece que estamos tão à quem de vocês.


T: Eu não sei. Em vários aspectos, eu sinto que todas as culturas têm os seus altos e baixos, porque nós podemos ter toda a informação, mas o grande problema é levar as pessoas a escutar aquilo que temos para dizer. Há tanta resistência, porque vai contra a nossa parentalidade moderna e muita gente investiu muito nisso.


S: E dá muito trabalho, e muita gente não quer ter esse trabalho. E eu compreendo perfeitamente, as pessoas estão tão assoberbadas com as suas próprias vidas, que por vezes é demasiado. A verdade é que fazemos o que podemos para fazer a mudança e trazer a informação, e as pessoas que o precisam mesmo eu acredito fortemente que acabam sempre por o receber. Mais cedo ou mais tarde hão-de chegar a essa informação.


T: Espero bem que sim. Desde que nos continuemos a colocar a informação aí fora, isso abrirá novas possibilidades.


S: Uma das coisas boas desta pandemia é que as pessoas estão muito mais on-line, a informação circula mais por aí e as pessoas estão mais próximas, mais atentas, e nem tudo é mau.


T: Sim, eu penso que é positivo, abre canais de comunicação, aprendemos com outras pessoas, culturas o que antes não era possível é isso é tão precioso. Especialmente se te sentires sozinha na cultura onde estás inserido agora.


S: Exactamente, e alguns pais estão muito sozinhos e em situações muito difíceis. Com crianças pequenas em casa, a trabalhar on-line, especialmente se tiveres recém-nascidos eu não consigo imaginar. Tu precisas de uma aldeia quando tens um recém-nascido e agora não podes ter ninguém em casa


T: Eu sei, mudei a minha forma de trabalhar. As famílias com quem trabalho um a um, quando tentamos planear arranjar suporte aqui e ali , olhamos à volta e não há nada disponível. Como é que damos à volta à situação? É um impedimento gigante em algumas situações.

Pelo outro lado, para algumas das minhas famílias orquídeas sentem tudo isto como um previlégio, o facto de estarem em casa. Pois essa falta de stress e de ter que fazer coisas resulta em que eles estejam a notar que as crianças estão a florescer de formas nunca antes vistas. Não tens que te sentir culpada, e isso também é verdade, muitas pessoas só falam nos aspectos negativos desta situação e pode haver uma mistura. Porque também está certo celebrar, se tens uma criança orquídea, e se, tudo isto vos está a trazer benefícios. Só pelo facto de ,elas se estarem a sentir mais confortáveis. E poderem praticar estas ferramentas de auto-regulação num ambiente seguro, que tu lhes podes proporcionar.


S: Isso é tão verdade. Mais uma vez, muito obrigada. Espero que voltemos a falar em breve.


T: Sem dúvida adoraria fazê-lo. Muito obrigada por me receberes.


S: Muito obrigada


T: …e boa sorte com a tradução


S: …vai ser um montão de coisas para traduzir, não sei quando é que serei capaz de o colocar on-line, mas fá-lo-ei!


Obrigada!


NOTA: Um muito obrigada da EducaSão à Elsa Carraceno pela assistência e transcrição da entrevista.



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2 Comments


Sara Sarmento
Apr 13, 2021

Muito obrigada por esta entrevista e por trazerem este tema tão desconhecido como importante. De facto não é só para quem tem filhos orquídea mas para todos aqueles que lidam com crianças e que podem estar perante orquídeas e assim reconhecerem e perceberem o que se está a passar. Obrigada!

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Fatima Gomes
Fatima Gomes
Feb 15, 2021

Gostei muito da entrevista. Levei algum tempo a lê -la porque era um tema que me interessava de sobremaneira (vocês sabem porquê) e precisei de ir lendo e ouvindo para assimilar e comparar as minhas ideias com o que ouvia e lia. Beijinhos.

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