Setembro marca o início do ano letivo, e com ele surgem novos desafios para todos nós, educadores. Receber crianças pequenas que enfrentam pela primeira vez a separação dos pais é uma das tarefas mais complexas e sensíveis do nosso trabalho. A adaptação escolar é, para muitas delas, o primeiro grande confronto com o sentimento de separação, e isso provoca uma onda de emoções que afetam o seu bem-estar e capacidade de integração.
Neste momento, o nosso papel torna-se ainda mais vital. Somos os adultos responsáveis por criar um espaço onde a criança possa sentir-se segura e apoiada, ajudando-a a desenvolver a confiança de que, mesmo longe dos seus pais, ela será cuidada e protegida. Mas como fazer isso, quando o choro, o medo e a resistência parecem dominar as primeiras semanas?
Entendendo a Separação: O Que Está Por Trás do Choro?
Para entender como ajudar as crianças neste processo, precisamos reconhecer que a separação, para elas, é uma experiência profundamente perturbadora. Apego é a nossa maior necessidade como seres humanos, e por isso a separação dos cuidadores é sentida como uma grande ameaça. O cérebro das crianças responde a essa ameaça como se fosse dor física, ativando uma série de reações emocionais que muitas vezes resultam em choro, resistência ou até mesmo silêncio. (1)
As crianças pequenas dependem emocionalmente dos adultos à sua volta. Quando entram num ambiente escolar, perdem temporariamente a sua principal figura de apego – os pais – e isso gera um forte sentimento de insegurança. O que elas realmente precisam, mais do que qualquer coisa, é de um novo vínculo de confiança, uma ligação com o educador que lhes dê a sensação de que estão seguras, mesmo num ambiente diferente.
A Importância do Vínculo e da Presença do Educador
Como educadores, a nossa tarefa vai muito além de ensinar ou supervisionar atividades. A primeira e mais importante tarefa é criar vínculos emocionais com as crianças. Elas precisam sentir que, embora os pais não estejam presentes, há outro adulto em quem podem confiar para cuidar delas. Isso exige que sejamos não só educadores, mas também cuidadores atentos às necessidades emocionais das crianças.
Aqui, a nossa presença faz toda a diferença. Precisamos mostrar à criança que estamos disponíveis, que podemos responder às suas necessidades e que ela pode contar connosco para acolhê-la. Esta construção de confiança não acontece de um dia para o outro. É um processo gradual, que exige paciência, escuta atenta e, muitas vezes, a capacidade de acalmar uma criança que se sente perdida ou assustada.
Abordagens Respeitosas: Um Olhar para o Modelo de Berlim
Entre as abordagens que respeitam o tempo e as necessidades das crianças durante a adaptação, o Modelo de Berlim destaca-se por ser um processo suave e progressivo. Este modelo defende que a separação deve acontecer gradualmente, dando tempo para que a criança construa um vínculo com o educador antes de ficar sozinha no ambiente escolar. O cuidador permanece presente nas primeiras semanas, participando do processo de aclimatação da criança à nova realidade.
No Modelo de Berlim, os primeiros dias são dedicados ao estabelecimento da confiança. O pai ou mãe permanece na sala, enquanto a criança explora o espaço. A separação só acontece após uma base mínima de confiança ser estabelecida. Esse processo pode durar semanas, dependendo do ritmo de cada criança.
Para muitos educadores, adotar práticas como esta pode parecer desafiador, especialmente em contextos onde as exigências administrativas ou as rotinas escolares não favorecem uma abordagem mais individualizada. No entanto, a experiência tem demonstrado que esta prática reduz significativamente o stress da criança e melhora a sua disposição para aprender e brincar, facilitando a integração ao ambiente escolar a longo prazo.
Estratégias para Fortalecer o Vínculo com as Crianças
Embora nem sempre seja possível seguir o Modelo de Berlim de forma rigorosa, há várias práticas que podem ajudar a suavizar a adaptação e fortalecer o vínculo com as crianças:
Ser uma presença constante e segura: As crianças precisam saber que podem contar connosco. Uma presença tranquila e constante, mostrando que estamos sempre disponíveis, ajuda-as a sentirem-se seguras.
Criação de rituais: Rituais repetitivos, como cantar uma música de boas-vindas ou fazer um jogo específico no início do dia, ajudam a criança a sentir previsibilidade e conforto.
Objetos de transição: Permitir que as crianças tragam de casa um objeto de conforto – como uma fralda ou peluche – pode facilitar o processo de separação, dando-lhes algo tangível que lhes lembra da segurança dos pais.
Escuta ativa: Muitas vezes, o simples ato de escutar a criança e reconhecer os seus sentimentos é um grande alívio emocional. Dizer frases como: “Eu sei que estás com saudades da tua mãe, mas ela vai voltar mais tarde (ex: depois de virmos do jardim, depois do lanche da manhã, etc.)” ajuda a validar os seus sentimentos.
Criar pequenos momentos de conexão: Durante o dia, fazer pausas para brincar, conversar ou simplesmente observar o que a criança está a fazer cria oportunidades de construir laços de confiança.
Refletir Sobre a Adaptação: Partilha Connosco a Tua Experiência
Cada educador enfrenta desafios únicos durante o processo de adaptação. Algumas crianças rapidamente estabelecem um vínculo, enquanto outras levam mais tempo. Alguns de nós podem sentir que, apesar de todos os esforços, a separação ainda é dolorosa para a criança, e isso pode ser difícil de lidar.
Por isso, queremos abrir espaço para partilhar práticas e trocar experiências. Como tem sido a adaptação este ano? Quais são as estratégias que utilizas para apoiar as crianças que enfrentam dificuldades na separação? Sentiste que houve alguma prática ou abordagem que fez diferença na forma como as crianças reagiram ao processo? Quais são as necessidades que sentes como educador durante este período delicado?
Queremos ouvir a tua história. Sabemos que a adaptação escolar não é apenas um desafio para as crianças, mas também para os educadores, que muitas vezes carregam as preocupações e emoções dos pais e dos pequenos. A tua experiência é valiosa e pode inspirar e apoiar outros profissionais que estão a passar pelo mesmo.
Conclusão
A adaptação escolar é um processo emocional intenso, e como educadores, estamos na linha da frente para garantir que as crianças se sintam seguras e confiantes durante essa transição. O desafio da separação pode ser grande, mas através de uma abordagem cuidadosa, respeitosa e baseada na criação de vínculos, podemos transformar a experiência em algo positivo e enriquecedor para as crianças e suas famílias.
Partilha connosco as tuas práticas e experiências, e juntos podemos continuar a construir uma educação mais humanizada e acolhedora para todos.
(1) Gaber Maté& Daniel Maté, O Mito do Normal - Trauma, Doença & Cura numa Cultura Tóxica,abril 2023, Lua de Papel.
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