O nascimento de uma criança inicia um processo vitalício de vinculação mútua entre a criança, os seus cuidadores e o seu círculo social mais amplo. Os relacionamentos e padrões de interação formados durante as primeiras etapas da vida de uma criança servem como um protótipo para as muitas interações posteriores e podem ter repercussões ao longo da sua vida. Como nos diz o Dr. Daniel Siegel, psiquiatra e neurobiólogo interpessoal, sobre como as experiências moldam o nosso cérebro: "O ambiente cria a mente e, em seguida, a mente cria o ambiente."
O que quer dizer que, quando somos crianças, o ambiente em que crescemos está literalmente a formar a nossa mente. Crescemos e tornamo-nos adultos, e essa mente então formará o ambiente ao nosso redor, e no qual viverão as crianças que fizerem parte da nossa vida. E assim, quando somos pais, cuidadores ou educadores acabamos realmente por reviver a nossa própria infância, feliz ou infelizmente, quando observamos e testemunhamos o crescimento das crianças nas nossas vidas.
Todo o pai, cuidador ou educador deseja que as suas crianças cresçam saudáveis e desenvolvam comportamentos que lhes permitam ter controlo sobre as suas próprias vidas. E todos desejamos saber como proporcionar a melhor educação possível, especialmente quando não desejamos apenas uma mera repetição da nossa própria história individual.
A solução é sempre - vinculação.
A vinculação segura é a resposta universal. Não existe uma criança no planeta que não precise de um vínculo seguro.
Não se trata de um estilo parental, ou de uma pedagogia, é uma necessidade biológica.
O indicador mais importante de quão bem a criança se sairá no futuro é a existência ou não de um vínculo seguro com pelo menos um cuidador.
A vinculação é um sistema perfeito criado pela mãe natureza, e que tem por base a ideia de que somos seres humanos imperfeitos. A mãe natureza sabe que vamos "meter a pata na poça". Que nós vamos errar. Que teremos dias maus e desejaremos ter agido de forma diferente. E a parentalidade ou os relacionamentos por meio da vinculação será a rede de segurança que nos mantém unidos e sãos!
As crianças precisam de adultos presentes nos momentos em que mais necessitam de nós. Elas precisam de adultos que estejam dispostos a reparar os seus erros quando erram, e cresçam (como seres humanos) lado a lado com as crianças. Cada vez que estamos presentes para a criança, estamos a ajudá-la a formar ligações cerebrais que lhe permitirão manter a calma, a proximidade e confiança em si e no mundo. Cada vez que erramos e reparamos o que fizemos com a criança, estamos a conectar o seu cérebro para ter resiliência, relacionamentos seguros e força de caráter. As nossas crianças não precisam de adultos perfeitos. Não existe tal coisa. Elas precisam de adultos presentes.
Nunca conseguiremos agir sempre perfeitamente. E o que é maravilhoso é que existe o conceito de "pai/mãe, cuidador ou educador bom o suficiente".
Na década de 1950, o psicanalista britânico D.W. Winnicott reconheceu que não era realista exigir perfeição dos progenitores ou cuidadores principais, e que a maioria destes era "bom o suficiente" para atender às necessidades dos seus filhos, cunhando o termo "parentalidade boa o suficiente".
O "a figura parental boa o suficiente" de Winnicott focava-se em ser-se um progenitor que: prestava atenção; era sensível ao filho; e atendia adequadamente às necessidades do seu filho. Este progenitor providenciava um "ambiente de acolhimento" onde eram prestados cuidados físicos e emocionais. Falávamos de um conjunto base: cuidado físico; habitação; nutrição; segurança e proteção, mas também sobre como atender às necessidades emocionais das crianças. Winnicott observou que as figuras parentais boas o suficiente eram: preocupadas; interessadas; e disponíveis, sempre que o seu filho precisava delas. A partir desta base segura, desenvolveriam independência, estabilidade emocional e resiliência.
Trata-se da capacidade de resposta das figuras parentais em atender às necessidades dos seus filhos. Essa capacidade de resposta leva a um vínculo seguro entre estas e os seus filhos.
Um conhecido professor de Harvard, Edward Tronick, que está na vanguarda da ciência relacionada com este tópico, escreve sobre este mesmo conceito. Ele diz-nos que, na realidade, só precisamos de agir no nosso melhor 30 por cento das vezes.
E, no tempo restante, o que ele aconselha é que, se fugirmos da interação ideal, então a solução será encontrar o caminho de volta para a interação ideal. Portanto, temos de viver nesta dança de entrar e sair e voltar a entrar na vinculação. Tronick diz-nos também que o verdadeiro trauma (o tipo de experiência chocante e significativamente prejudicial para a criança) não é cair e voltar a reconstruir, mas uma queda que permanece, onde não há reparação, não há retorno, onde a dança parou. Só aí é que os problemas realmente se fixam.
Ser um pai, educador, cuidador "bom o suficiente" requer um plano no qual tu és um adulto envolvido (presente não apenas fisicamente), preocupado, interessado e disponível. E, é natural que alguns dias, o plano funcione melhor do que noutros! O objetivo é trabalhar arduamente para tomar as decisões certas algumas das vezes; observarmos quando nos desviamos do plano e trabalhar para repará-lo, e voltar ao plano noutras ocasiões. E quando muitas vezes nós adultos não seguimos o plano e nos culpamos, nessas ocasiões, a criança precisa apenas de saber (ver) que também sabemos ser gentis connosco mesmos, e que sabemos que no fim de tudo, tudo irá dar certo, porque não precisamos de ser perfeitos, mas estamos presentes!
Então continuemos na nossa exploração das seis etapas da vinculação que nos ajudam nesta dança que é a criação de vínculo seguro com as nossas crianças.
Estágio de Anexo 4: Significação
O QUE SIGNIFICA:
A necessidade de uma criança se sentir especial, se sentir importante para aqueles que estão próximos dela.
COMO SE MANIFESTA:
Por volta dos 4 anos, apesar de maior independência e de um círculo de segurança cada vez mais amplo (a distância, física e emocional, que as crianças de 4 anos sentem confortáveis em criar entre si e os outros enquanto exploram o mundo), as necessidades de se sentirem seguras, protegidas e significativas são elevadas.
As pessoas mais especiais nas suas vidas podem retribuir este sentimento de elas as terem como especiais.
Gordon Neufeld descreve a importância de cada criança ter pelo menos um adulto cujos olhos brilham quando ela entra na sala.
O QUE OS PAIS E ADULTOS PODEM FAZER:
Desenvolver os rituais e rotinas já estabelecidos que acrescentem um significado especial ao seu relacionamento.
Mergulhar na rotina noturna ou da sesta e atender à necessidade de que esse seja um momento especial só para eles e a criança.
Apresentar a 'gratidão' ou a 'recapitulação' na sua rotina noturna: uma breve conversa focada em cada uma das crianças, que lhes permita dar sentido ao seu dia e permita que nós lhe mostremos a alegria que sentimos por quem elas são e pelo que fizemos juntos nesse dia. Mesmo com irmãos que compartilham o mesmo quarto, ou num grupo de crianças em cuidados exteriores à casa, este ritual noturno ou da sesta em que têm alguém focado numa conversa individual pode ser algo muito poderoso.
Reservar um tempo para se reconectarem, principalmente porque esta é uma idade em que as crianças brincam de forma mais independente durante o dia. Encontrar esse momento só nosso, e tornar este momento especial, mesmo que seja uma rotina curta.
Etapa 5: Amor
O QUE SIGNIFICA:
Esta etapa é sobre a necessidade de ser amado - nós amamos os nossos filhos, as nossas crianças, mas esta é a etapa para garantir que o nosso amor transparece nas nossas ações e no nosso tom/sentir, durante aqueles momentos do dia em que se sentem prontas para se virarem para dentro e "retirarem-se", que elas levem esse sentimento com elas.
COMO SE MANIFESTA:
As crianças de cinco anos podem estar cheias de "eu amo-te" espontâneos, especialmente se esse tipo de expressão verbal de amor fizer parte da cultura familiar.
À medida que o círculo de segurança das crianças se amplia e mais tempo é gasto longe dos pais na escola ou em grupos extracurriculares, um sentimento de amor (e pertença a partir de um estágio anterior) torna-se uma necessidade básica de apego.
O QUE OS PAIS E ADULTOS SIGNIFICATIVOS PODEM FAZER PARA APOIAR ESTA FASE:
Assim como tu constróis a necessidade de ser significativo na última etapa, tu podes usar a hora de dormir como uma oportunidade para expressar amor verbalmente ou de outras maneiras.
Podemos começar a prestar atenção à linguagem de amor da criança. Embora possa não estar claro nesta idade, pode haver maneiras de lhe mostrares o teu amor que atendam de forma sustentável às necessidades da criança de amor.
A separação e a independência costumam ser temas importantes nesta idade. É importante "encher o copo delas" quando estiverem juntos.
Etapa 6: Ser (re)conhecido
O QUE SIGNIFICA:
Um forte sentir de que as pessoas-chave na vida da criança a conhecem bem e têm um profundo sentir de quem elas realmente são.
“As crianças não experimentam as nossas intenções, por mais sinceras que sejam. Elas experimentam o que manifestamos no nosso tom e comportamento.” (Gordon Neufeld e Gabor Maté, O seu filho precisa de si!)
COMO SE MANIFESTA:
As crianças podem se sentir magoadas se te esqueceres que elas gostam da roupa da cama bem entalada ou sentirem-se satisfeitas quando lhe servimos a salada sem rúcula, porque sabemos que ela não a consegue comer. Torna-se menos sobre a etapa inicial em que as crianças são tranquilizadas com a mesmice e a previsibilidade, e mais sobre os sinais de que nós sabemos quem elas são e que as conhecemos profundamente.
Com o sono, elas podem sentir alegria e tranquilidade quando sabemos que elas querem o pijama favorito porque nesse dia se lembraram de há quanto tempo não o usavam, ou de ler aquela história, cantar aquela música, etc...
O QUE OS PAIS E OS ADULTOS PODEM FAZER PARA APOIAR ESTA FASE:
Escutar - ser conhecido é algo em constante evolução, porque as crianças estão sempre a evoluir. Escutar os seus interesses, as suas preocupações, as coisas que as fazem felizes. Conhecer alguém profundamente envolve prestar muita atenção.
Ser sensível às flutuações das suas necessidades. Numa noite em que perceberes que ela parece mais instável ou que teve um conflito ou desafio durante o dia que não foi resolvido, podemos deitarmo-nos na cama com ela (ou ficar na cama por mais tempo), por exemplo.
Em conclusão, as etapas de vinculação são "balizas de sinalização".
Para nós, ainda hoje, é sempre impressionante como estas etapas de apego surgem na maioria das crianças das nossas vidas, no dia ou perto do dia de aniversário delas: saber o que esperar torna-se numa alegria profunda quando vemos essas novas etapas emergirem.
Embora etapas não sejam medidas fixas de vinculação e embora a própria vinculação possa ser quebrada e reconstruída várias vezes ao longo do dia, estas balizas de sinalização são um guia útil para responder às nossas crianças em crescimento. E é tão bom poder ser capaz de antecipar e ajustar a nossa parentalidade ou relação
de acordo com algo que até podíamos ainda nem ter reparado, mas fomos capazes de identificar! E quando isso ajuda a fortalecer o vínculo que temos com a criança, os benefícios de uma parentalidade ou relação reflexiva e consciente são enormes.
BIBLIOGRAFIA:
Siegel, Daniel J., e Tina Payne Bryson. "O Cérebro da Criança." Casa das Letras.
Neufeld, Gordon, e Gabor Maté. "O seu filho precisa de si." Ideias de Ler, 2021.
Tronick, Edward. "The Neurobehavioral and Social-Emotional Development of Infants and Children." Norton Press, 2007.
Winnicott, D.W. "The Child, The Family, and the Outside World." Penguin, 1973.
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