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A Arte do Cuidar: Reflexões Sobre a Diferença no Cuidado de Crianças Menores e Maiores de Três Anos

Ao cuidar de crianças com menos de três anos, cada interação, cada gesto, cada presença ganha uma profundidade especial. Nesta idade, o vínculo com o adulto é a referência central do seu universo — o ponto de partida para explorar, sentir-se segura e desenvolver a sua própria identidade. Contudo, ao comparar o cuidado de crianças abaixo dos três com as mais velhas, percebemos que as necessidades das mais pequenas são bastante diferentes das das maiores. Esta diferença vai além da idade; é uma questão de abordagem, de ritmo e de presença.


Como escreveu Emmi Pikler, a tranquilidade e a confiança do adulto são a base sobre a qual a criança constrói o seu próprio sentido de segurança.” Saber que o adulto estará próximo, que respeitará o seu ritmo e permitirá que descubra o mundo ao seu redor é o que assegura à criança a liberdade para explorar.


Um Espaço de Observação e Aprendizagem


Nos primeiros anos, não há fórmulas rígidas para estruturar o cuidado. Em vez disso, a prática de cuidar exige uma presença atenta e sensível, onde o adulto observa, ajusta e responde às necessidades de proximidade e exploração da criança. O adulto é a “base segura” a partir da qual a criança explora o mundo, regressando a ele sempre que precisa de segurança. Este ciclo de afastamento e regresso fortalece a relação de confiança e cria uma segurança emocional que, gradualmente, permite à criança aventurar-se mais longe.


Para a criança de um ano, o adulto representa este ponto de segurança central. Ela circula em torno do adulto, aventurando-se no ambiente, mas regressando logo em seguida — quase como se o adulto fosse o seu “ponto de recarregar energias”. Este ciclo de exploração e regresso cria uma confiança enraizada e prepara o terreno para a independência. Como Gordon Neufeld destaca, “o apego não é o oposto da independência, mas a sua fonte.” É este vínculo próximo e seguro que permite à criança desenvolver, ao longo dos anos, uma base emocional sólida que sustenta o seu crescimento social e emocional.


Exploração e Regresso: O Ciclo do Apego


Quando a criança de um ano explora o ambiente e regressa ao adulto, ela está a iniciar um ciclo que promove a auto-regulação emocional. Esta alternância entre afastamento e proximidade ajuda a criança a desenvolver uma confiança interna, o que lhe permite, aos poucos, lidar com o mundo de forma mais independente. Esta confiança inicial proporciona a segurança para que a criança, aos poucos, comece a aventurar-se mais longe, sabendo que o adulto está sempre presente para oferecer apoio e conforto.


Com o tempo, essa base emocional transforma-se numa segurança interna, que permite à criança explorar sem receios e com uma autonomia saudável. Neufeld explica que, "quanto mais forte for o vínculo de segurança na primeira infância, maior será a capacidade da criança para explorar o mundo, enfrentar desafios e, eventualmente, desenvolver uma independência saudável."


A Expansão dos Limites de Segurança e o Papel do Território de Confiança


À medida que a criança cresce, esta necessidade de proximidade vai diminuindo gradualmente. Por volta dos três ou quatro anos, a criança começa a expandir os seus limites de segurança. Embora ainda mantenha uma ligação próxima com o adulto, sente-se mais livre para se aventurar. Aos seis anos, esta segurança interior é sólida o suficiente para que a criança explore os “limites seguros” do espaço permitido, como a periferia de um jardim, onde pode brincar fora da vista direta do adulto, mas ainda dentro de um território de confiança. Esta nova autonomia não representa uma perda do vínculo; é o reflexo de um apego saudável que agora sustenta a sua independência.


Transformação do Apego: Da Proximidade Física para a Segurança Emocional


Nos primeiros anos, o apego é eminentemente físico — a criança precisa ver e tocar o adulto para sentir segurança. Com o tempo, este vínculo transforma-se numa segurança emocional interna, que permite à criança manter uma sensação de conforto mesmo sem proximidade imediata. Práticas como criar pequenos rituais de despedida e reencontro ao longo do dia reforçam este apego emocional. O apego é o solo onde a independência floresce,” diz Neufeld. Este vínculo inicial prepara a criança para enfrentar desafios futuros e desenvolve a sua resiliência.


A Individualidade do Movimento e a Importância do Cuidado Pessoal


A criança pequena move-se em círculos individuais ao redor do adulto, e esta proximidade física é fundamental. O contacto um a um permite que ela se sinta segura e conectada, sobretudo nas tarefas mais íntimas e quotidianas, como a alimentação, o momento de trocar a fralda ou a hora de dormir. Cada um destes cuidados é um momento de atenção individualizada.


Para as crianças mais pequenas, atividades em grupo como o Rodas/círculo de canções podem não ser adequadas; exigem uma maturidade social que estas crianças ainda não possuem. Em vez disso, as canções e lengalengas podem ser inseridas em momentos individuais ao longo do dia — durante a troca de fraldas, a lavagem das mãos ou ao preparar o lanche. Estes momentos de proximidade direta entre adulto e criança nutrem o seu sentido de identidade e pertença.


O Papel das Histórias e a Transformação Social aos Três Anos


Assim como as canções, as histórias desempenham papéis diferentes antes e depois dos três anos. A criança menor de três anos ainda está a construir o seu “eu”, através das interações próximas e seguras com o adulto, e sentá-la num grupo para ouvir uma história pode criar uma separação precoce. Este formato estruturado “distancia” o adulto das crianças — algo que só faz sentido para aquelas que já se veem como parte de um grupo. Para as crianças mais novas, o ato de partilhar um livro de imagens no colo do adulto, apontando e conversando, oferece uma segurança emocional que prepara o terreno para, mais tarde, se sentirem parte do grupo.


Aos três anos, ocorre uma transformação significativa. A criança que, até então, dependia da proximidade e do toque do adulto para se sentir segura, agora começa a abrir-se para novas relações, estendendo a mão para outra criança ao seu lado e integrando-se ao círculo do grupo. Este gesto marca um desenvolvimento social importante: ele nasce das primeiras explorações que a criança faz junto ao adulto e culmina na sua entrada consciente na vida social, onde o seu ‘eu’ individual começa a formar o ‘nós’ do grupo.


Rudolf Steiner dizia que “não há uma educação verdadeira sem amor e sem respeito pela individualidade da criança.” Estes primeiros passos no desenvolvimento social devem ser apoiados por uma observação atenta e sensível por parte do adulto.


Reflexões para um Cuidado Acolhedor e Consciente


Compreender estas nuances entre cuidar de crianças abaixo e acima dos três anos desafia-nos a reavaliar continuamente as nossas práticas. Não se trata de uma fórmula universal, mas sim de uma escuta atenta ao que cada criança precisa, de acordo com o seu momento de desenvolvimento. No cuidado de crianças menores de três anos, o adulto representa o “lar”, o ponto de referência e de segurança a partir do qual a criança explora. Para as maiores, o adulto é um guia confiável, alguém que permite e incentiva a expansão dos limites de forma gradual e respeitosa.


Estas observações recordam-nos que o nosso papel é muito mais do que o de educador — somos o ponto de segurança, o pilar de confiança que cria as condições para que cada criança descubra o seu próprio caminho para o mundo. E ao fazermos isso, respeitamos o que é único em cada fase, honrando tanto a individualidade como o desenvolvimento social da criança.


Dedicado às nossas alunas pioneiras do curso "Raízes do Ser", cuja sensibilidade e dedicação moldam o futuro do cuidado e da educação da infância. Que este texto inspire ainda mais o vosso caminho na criação de espaços de segurança, confiança e autonomia para cada criança.




Referências Bibliográficas:


  1. Baldwin Dancy, Rahima. Você é o Primeiro Professor do Seu Filho: Incentive o Desenvolvimento Natural da Criança do Nascimento aos Sete Anos. Tradução de Andréa Barros. Antroposófica, 2004.

  2. Neufeld, Gordon, e Maté, Gabor. O Seu Filho Precisa de Si: Porque é que os Pais Devem Importar Mais do que os Colegas. Tradução de Maria do Carmo Figueira. Ideias de Ler, 2006​

  3. Pikler, Emmi. Mover-se em Liberdade: Desenvolvimento e Educação da Primeira Infância. Tradução de Dulce Pedroso. Penso Editora, 2016.

  4. Steiner, Rudolf. A Educação da Criança e os Primeiros Escritos sobre Educação. Tradução de Rubens Rusche. Antroposófica, 2006.

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